Gael: personagem perseguindo o seu escritor.
Pablo Neruda é um escritor que se tornou mundialmente famoso, ao ponto de receber o Nobel de Literatura em 1971. No entanto, em um dos períodos mais sombrios de seu país, o escritor se tornou fugitivo ao final da década de 1940 por ser filiado ao partido comunista (Neruda foi até eleito senador pelo partido). Este período em que Neruda precisou fugir e ficar escondido se tornou o ponto de partida para o filme que fecha o #FinalDeSemana dedicado à obra do cineasta Pablo Larraín. Apesar do teor político da história, o chileno constrói aqui o seu filme mais poético ao dar asas à sua imaginação perante a busca pelo paradeiro do escritor. O espectador já sabe desde o início os passos de Neruda (vivido com gosto por Luis Gnecco), que está a maior parte do tempo ao lado da esposa, Delia (Mercedes Morán), no entanto, enquanto se impõe um cativeiro para a própria segurança, seu temperamento começa a ficar um tanto alterado pela tensão que começa a se construir ao seu redor. Uma fuga para Argentina se torna a solução. Quem se torna responsável por sua captura é o agente Óscar Peluchenneau (Gael Garcia Bernal), que aos poucos se torna o eixo da narrativa que passa a desenvolvê-lo como se fosse um dos personagens do escritor, um policial obcecado por encontrar seu procurado, mas que entra em crise perante sua jornada. Essa ideia de que Peluchenneau é uma criação do próprio Neruda permite que Larraín aprofunde cada vez mais a atmosfera noir do filme. Aqui existem cenas que são lindamente filmadas como uma espécie de reprodução dos clássicos que Hollywood realizava na mesma década em que a trama se passa. Dos figurinos, aos diálogos, passando pelas paisagens que são nitidamente projeções em uma parede, Larraín capricha na embalagem do filme. Curiosamente, o filme estreou no mesmo ano em que ele se aventurou pelo cinema americano com Jackie (2017), que rendeu uma indicação ao Oscar para Natalie Portman no ano em que este aqui pretendia conseguir uma vaga na lista de filme estrangeiro. No entanto, nada disso aconteceu. Muita gente torceu o nariz para Neruda pela forma como o diretor apresenta o cultuado escritor, visto aqui como um sujeito de boa vida, que foi apontada como "vida burguesa" por vários críticos, que também torceram o nariz para suas visitas a bordeis e o diálogo com uma proletária, cenas que refletem uma imagem que arranha a percepção de um artista comunista engajado (particularmente acho uma ingenuidade imaginar que o escritor fez voto de pobreza durante a vida por ser comunista, já que a ideologia que ele acreditava está muito além do que essa superficialidade). Larraín não tinha a mínima intenção de criar um retrato fidedigno de Neruda - e visitando seus filmes posteriores envolvendo figuras históricas, como a já citada Jackeline Kennedy, Lady Di (em Spencer/2021) ou Pinochet em O Conde (2023), sabemos que seu interesse em criar histórias sobre esses personagens é muito mais um artístico do que documental. O melhor do filme é ver como o filme é construído de forma quase surreal até pouco antes do desfecho, naquele momento belíssimo no gelo com um monólogo estupendo de Gael. Tendo em vista que para Larraín ninguém é sagrado (basta ver a participação minúscula reservada a Alfredo Castro, seu ator favorito), trata-se de um filme de encher os olhos (e os ouvidos).
Neruda (Chile/2016) de Pablo Larraín com Gael Garcia Bernal, Luís Genecco, Mercedes Morán, Diego Muñoz, Marcelo Alonso, Michael Silva e Pablo Derqui. ☻☻☻☻
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