Os Usher: as maldições do Poeverse. |
Quando soube que Mark Flanegan (de A Maldição da Residência Hill/2018 e Missa da Meia-Noite/2021, duas das melhores produções já feitas pela Netflix) faria uma adaptação do conto A Queda da Casa de Usher de Edgar Allan Poe, eu fiquei bastante animado. Quando me dei conta de que seria uma minissérie, a animação virou preocupação. O conto com pouco mais de cem páginas daria conta de um filme, mas uma minissérie? Lembrei logo da sensação de quando O Hobbit (2013) foi anunciado como uma trilogia com filmes de três horas... quase a mesma coisa de uma série com oito episódios de aproximadamente uma hora. Sorte que Flanegan não estava somente interessado em contar a saga do patriarca que testemunha seus filhos morrerem um a um ciente de que se trata de um acerto de contas com o destino. Flanegan queria mesmo era homenagear a obra de Poe, ou como diria minha amiga Morgana: "criar um Poeverse". Flanegan deu uma patinada em gelo fino quando resolveu homenagear outro clássico do terror (A Outra Volta do Parafuso de Henry James que inspirou a Maldição da Mansão Bly/2021), mas aqui, ele parece ter montado um esquema que funciona melhor com suas intenções. Os fãs de Flanegam podem até estranhar a forma mais elaborada (e menos sanguinolenta) com que ele costura os episódios, mas para quem curte a obra de Poe é um deleite catar as referências à obra do autor (seja nas evidenciadas no título de cada capítulo e, não podendo esquecer, a presença obrigatória do Corvo). Existe aqui um fio condutor que entrelaça poder, cobiça, ambição, traição e outros sentimentos pouco nobres que motivam a família Usher, o que garante aos membros do clã características que são compartilhadas entre todos em maior ou menor grau, sem que o texto caia na tentação de dizer "este é o bonzinho", "esta é a inteligente", "este é o doidinho", "esta é a ignorante"... no fundo nenhum dos filhos vale muita coisa, o que deixa a sensação de ser uma paródia gótica de Succession da HBO (o que acho ótimo já que a abandonei na primeira temporada por achar sem sal). Aqui o patriarca Roderick Usher (vivido jovem por Zack Gilford e mais velho por Bruce Greenwood) e sua irmã (a jovem Willa Fitzgerald e a madura Mary McDonnell, que pouca gente lembra ter sido indicada ao Oscar por Dança com Lobos/1990) ergueram um verdadeiro império farmacêutico enquanto observam a vasta prole de Roderick brigar entre si para chamarem a atenção do pai. Quando o primeiro morre num incidente bizarro, os demais herdeiros começam a falecer um a um corroídos por suas próprias culpas e fraquezas. No decorrer de tudo isso existem outros dois personagens importantes que se sobressaem, uma é a mulher misteriosa que funciona como a chegada a morte (e que se torna ainda mais estranha com a imagem de Carla Gugino mostrando-se bastante versátil em facetas assustadoras de tonalidades variadas), o outro é Arthur Gordom Pym o famigerado sobrevivente da única novela de Allan Poe, que aqui aparece mais velho como o experiente advogado (e assessor para assuntos ilícitos) da família encarnado com gosto por Mark Hamill. Uma das minhas cenas favoritas é o encontro de Hamill e Gugino, ato em que uma fagulha de esperança aparece entre toda a perdição dos Usher. Falando nisso, se existe um aspecto que me incomodou na trama foi um certo exagero na intenção de modernizar os personagens, que por vezes parecem com um bando de outros caracteres de séries por aí, a sorte é que Flanegan puxa a cordinha para o seu mundinho particular antes que a coisa se torne repetitiva demais. Entre legítimos e bastardos, mortos e feridos, A Queda da Casa de Usher pode não ser uma obra perfeita, mas chega até perto pela ambição do seu criador inspirado em um dos ícones do gênero a que parece conhecer as entranhas históricas com propriedade acima da média.
A Queda da Casa de Usher (The Fall of the House of Usher / EUA -2023) de Mark Flanegan com Bruce Greenwood, Mary McDonnell, Carla Gugino, Mark Hamill, Zach Gilford, Willa Fitzgerald, Henry Thomas, Rahul Kohli, Samantha Sloyan, T’Nia Miller, Michael Trucco, Katie Parker, Matt Biedel, Crystal Balint, Ruth Codd, Kyliegh Curran, Carl Lumbly, Kate Siegel, Sauriyan Sapkota, Paola Núñez, Malcolm Goodwin e Daniel Jun. ☻☻☻☻
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