domingo, 13 de julho de 2025

§8^) Fac Simile: Nicholas Hoult

Nicholas Caradoc Holt

Nicholas Hoult nasceu em 1989 em Berkshire na Inglaterra e ainda que muita gente lembre dele como o Marcus de Um Grande Garoto (2002) ao lado de Hugh Grant, sua estreia aconteceu em um filme de 1996, quando tinha apenas seis anos de idade. Desde então, Hoult se tornou o tipo raro de ator infantil que consegue ter uma carreira depois de crescido e pode se dizer que tem um currículo respeitável, com uma versatilidade comprovada em filmes de diversos gêneros. Entre franquias milionárias e filme indicados ao Oscar, o ator agora vive o icônico vilão Lex Luthor no novo Superman e teve uma conversa de poucos minutos com nosso repórter imaginário - que gerou esta entrevista que nunca existiu. 



§8^) É verdade que você queria o papel de Superman e te mandaram raspar a cabeça?

Nicholas Sim! É a mais pura verdade! Achei que era uma espécie de promessa... mas o James Gunn disse desde o início que escolheria do Superman com base na química dele com a atriz que fizesse a Lois Lane. Por conta disso eu perdi o papel do herói e me escolheram para ser Lex Luthor! 

 §8^) Você se inspirou em alguma pessoa conhecida da atualidade para construir seu personagem?

Nicholas Prefiro não citar nomes [risos]. Deixa baixo, deixa baixo... mas você percebe vários Lex Luthors por aí. Alguém tão consciente de sua inteligência e fortuna que esquece que existem outros valores importantes no mundo. Cultuar pessoas assim é um enorme risco para a humanidade. 

 §8^)Em uma cena de O Grande Garoto (2002) você dizia que se fosse bom de drama seria famoso como o garoto de O Sexto Sentido (1999), o tempo passou e as pessoas falam mais de você do que do Haley Joel Osment. Você se acha bom de drama no momento?

Nicholas Woooow! Acho que melhorei bastante [risos] O Haley estava no auge naquela época, foi indicado ao Oscar e teve outras performances incríveis, mas continuar a fazer sucesso tem mais relação com a forma como o público observa o crescimento dele do que o talento. Eu tive sorte que quando era pequeno não tive toda a projeção que ele teve, os holofotes chegaram aos poucos sobre a minha carreira, mas eu adoraria ter uma indicação ao Oscar no meu currículo. 

  §8^) Além do seu trabalho em O Grande Garoto quais os outros papéis que você considera que ajudaram a consolidar sua carreira junto ao público e a crítica. 

Nicholas As pessoas lembram muito do meu trabalho na série Skins (2007-2008) que veio um tempo depois, mas eu considero meu papel em A Single Man (2010) do Tom Ford muito importante para uma espécie de renascimento de minha carreira no cinema. Ali as pessoas começaram a me olhar mais como um ator mais adulto, disposto a crescer e topar desafios. Depois, cada papel ajudou a me fazer subir de nível na carreira. 

 §8^) A fama e a carreira longa ajudaram a render à você o maior cachê de Superman...

Nicholas Sim! Isso me ajudou a construir o Lex Luthor também... 

  §8^) E a inveja por ter perdido o papel de Superman?

Nicholas Também! Ooops... 

Na Tela: Superman

David: Superman que dispensa apresentações. 

Quando assisti Pearl (2022) e vi aquele ator fazendo o projecionista, imaginei que ele ficaria perfeito para ser o novo Superman. James Gunn viu o mesmo filme e imaginou a mesma coisa ao escalar o ilustre desconhecido David Corenswet para encarnar o kryptoniano mais famoso do mundo. A escolha mostrou-se um grande acerto para um diretor que tem uma responsabilidade gigantesca nas mãos ao ser escolhido para criar a nova cara e estrutura dos personagens da DC Comics no cinema. Já que o Snyderverse deu mais dor de cabeça do que propriamente sucesso nas telas, Gunn (que dirigiu os três queridos filmes dos Guardiões da Galáxia para a Marvel e foi convidado para um teste ao reformular O Esquadrão Suicida) demonstra que quer distância de tudo o que fizeram antes, ou quase isso, já que o seu Superman não perde tempo explicando a origem do personagem. Ele entende que a cultura pop está tão entranhada entre os espectadores de filmes de heróis que não precisa explicar como o bebê kryptoniano veio parar na Terra e como cresceu no aconchego da fazenda dos Kent. Da mesma forma ele também não quer enganar a plateia de que a namorada de Clark Kent não sabe que ele é o Superman. A Lois Lane (vivida por Rachel Brosnahan) sabe que os dois são a mesma pessoa e se torna responsável por um verdadeiro embate entre os princípios do herói e questões geopolíticas que estão totalmente fora do radar do Homem de Aço - que tem como principal objetivo salvar vidas. O filme começa explicando que Superman acaba de sofrer sua primeira derrota para um ser misterioso e as coisas só pioram quando Lex Luthor (Nicholas Hoult) se empenha cada vez mais em ressaltar que o homem de cueca vermelha por cima do uniforme é um alienígena e, portanto, deveria ser visto mais como uma ameaça do que como um salvador. O fantasma das fake news e da Inteligência Artificial paira sobre isso, assim como a capacidade de personalidades megalomaníacas agregarem fãs e seguidores fiéis em tempos de internet - daí imaginar este efeitos nas relações políticas e diplomáticas é um verdadeiro pulo. Porém, apesar de utilizar estas nuances na trama, o filme de Gunn é bastante simples e com o maior clima de matinê. É verdade que Gunn baixa a bola de seu estilo inquieto e realiza um filme mais comportado e  ingênuo, ainda que apresente cenas bastante violentas em alguns momentos (uma mistura que já se tornou marca do diretor). Enquanto idealizador do novo DCU, Gunn já demonstra não ter medo de apresentar seu personagem em mundo de fantasia já existente (e ainda bastante vinculado à nossa realidade), fala sobre os meta-humanos que existem há três séculos, insere na história outros super-heróis não tão populares dos quadrinhos: Guy Gardner (Nathan Fillion) que é o meu Lanterna-Verde favorito justamente por ser insuportável, Mulher-Gavião (Isabela Merced) e Sr. Incrível (Edi Gathegi), além do Homem Elemental (Anthony Carrigan), deixando os mais conhecidos (e desgastados) para projetos futuros. Apesar do elenco esforçado, das cenas de ação, da pancadaria e dos efeitos especiais caprichados, tive a impressão que o filme não quis mostrar demais sobre este novo universo, provavelmente por já ter um risco bastante elevado em suas costas. Também não posso deixar de citar a participação do Krypto, o pet de Superman que na verdade é de outra pessoa que tem uma participação especial no finalzinho. Por conta do cãozinho bagunceiro, tive a impressão ainda mais forte que se houvesse assistido o  filme com o meu sobrinho, eu teria gostado ainda mais ao ver sua possível empolgação com o que temos na telona. As cenas iluminadas e o uso de cores que remetem à animação de 1996 deixam ainda mais clara (sem trocadilhos) a sensação que a era Snyder ficou para trás. Resta saber se o público comprará a ideia desta nova reformulação. 

Superman (EUA - 2025) de James Gunn com David Corenswet, Rachel Brosnahan, Nicholas Holt, Nathan Fillion, Isabela Merced, Skyler Gisondo, Sara Sampaio, Anthony Carrigan, Frank Grillo, Wendell Pierce, Pruitt Taylor Vince, Neva Howell, Sean Gunn, Alan Tudyk e Bradley Cooper.  

sábado, 12 de julho de 2025

Pódio: Kyle MacLachlan

Bronze: o acusado perplexo

3º O Processo (1993) Kyle MacLachlan nasceu em Washington e não seria exagero dizer que se tornou o ator favorito do diretor David Lynch. No entanto, ele fez vários outros trabalhos (incluindo a voz do pai de DivertidaMente/2015 , o patrão de Os Flinstones/1994 e o empresário sacana de Showgirls/1995). Talvez seu trabalho mais elogiado fora do universo de Lynch seja esta personificação de Josef K. nesta segunda versão para o cinema do clássico livro de Franz Kafka. Produzido para a BBC e lançado nos cinemas brasileiros, Kyle consegue encarnar com bastante consistência o tom de paranoia do personagem que é julgado por um crime que ele não faz a mínima ideia do qual seja. 

Prata: o jovem apaixonado.
2º Veludo Azul (1986) Kyle já havia estreado no cinema pelas mãos de David Lynch na mal fadada primeira versão de Duna/1984 para o cinema. Depois de viver o protagonista Paul Atreides naquele fiasco, Lynch o escalou para viver  o mocinho de bom coração Jeffrey Beaumont, que retorna para a cidade natal após o infarto do pai e se apaixona pela angelical Sandy Williams (Laura Dern) - com quem vive um romance comportado até... que se envolvem numa investigação sobre uma orelha humana! Ele acaba conhecendo a cantora Sandy Williams (Isabella Rossellini) e vive um triângulo amoroso entre a colisão de dois mundos: do american way of life e da sordidez (ou seriam apenas dois lados de um mesmo mundo?).

Ouro: o detetive instigado. 
1º Twin Peaks (1990-1991) Não tem jeito, falou de Kyle MacLachlan as pessoas lembram dele na pele do detetive do FBI Dale Cooper. Enviado para a pacata cidade do título para investigar a morte misteriosa da jovem Laura Palmer, o personagem se depara com um emaranhado de personagens esquisitos, subtramas bizarras e mistérios. Aos poucos o personagem começou a ter seus próprios mistérios que culminaram no último episódio da cultuada série. Kyle repetiria o personagem em outras produções futuramente, como no filme Os Últimos Dias de Laura Palmer (1992) e no retorno surpresa do seriado em 2017 (que inseriu ainda mais camadas no universo idealizado pela mente surrealista de Lynch). 

CATÁLOGO: Twin Peaks - Os Últimos Dias de Laura Palmer

Shreryl e Kyle: os primórdios de Twin Peaks. 

Faz tempo que assisti Fire Walk With Me, ou como ficou conhecido no Brasil: Os Últimos Dias de Laura Palmer. Este é o sexto longa-metragem de David Lynch, lançado no ano seguinte após o cancelamento da cultuada série de televisão Twin Peaks (1989-1991), programa que revolucionou as minisséries televisivas ao inserir uma linguagem mais cinematográfica à uma estrutura novelesca temperada com mistério e surrealismo. A série (que está disponível na MUBI atualmente) marcou época e costuma ser mais lembrada pela sua era de ouro do que a pataquada de esquisitices que se tornou quando Lynch se afastou na produção para se dedicar à Coração Selvagem (1990), seu quinto longa e ganhador da Palma de Ouro em Cannes. Bastou Lynch se afastar para o programa se perder em um monte de bobagens sem sentido e jogar no lixo o seu principal fio condutor: quem matou Laura Palmer? Lynch até tentou salvar o programa nos últimos episódios, mas o martelo já estava batido e a série foi cancelada, até retornar em 2017 com mais dezoito episódios - que embora não tenha alcançado o apelo da série original, o resgate fez a glória dos fãs de Lynch. O título deste filme no Brasil rendeu uma grande decepção aos fãs da série, já que não explica detalhadamente o que houve com Laura Palmer (Sheryl Lee), mas quem  é fã de Lynch já tinha entendido muito bem ao final da série o que tinha acontecido com a cobiçada jovem loura da pacata cidade que dá título à série. A série já deixava claro que debaixo de toda a paz da cidadezinha, havia algo de sórdido escondido entre seus habitantes e Laura, tinha uma vida secreta com parceiros sexuais variados, visita a inferninhos, investimento em fetiches e... todo este apetite pela autodestruição parece motivada por conta dos abusos vividos por Laura em sua própria casa. A situação de abuso parece relacionada à morte de outra personagem, Teresa Banks (Pamela Gidley), a amante de Leland Palmer (Ray Wise), o pai de Laura. Quando o filme começa, tudo gira em torno da morte de Teresa e a investigação realizada pelo agente Chester Desmond (Chris Isaak) e seu parceiro Sam Stanley (Kiefer Sutherland) e, logicamente, que Lynch não seguiria uma trama de investigação convencional, mudando o rumo antes da primeira hora de filme. Lynch reproduz aqui a atmosfera da série, com sua cadência lenta e contemplativa, seguindo Laura em seus encontros amorosos e situações de crise ao ser assombrada por Bob (Dana Ashbrook), um personagem misterioso que somente ela é capaz de ver. A maioria dos personagens importantes da série aparecem pouco e chama atenção a substituição de Lara Flynn Boyle por Moira Kelly no papel de Donna (dizem que a atriz já estava de saco cheio de lidar com sua personagem da série e queria novos rumos na carreira), a melhor amiga de Laura. Lynch recria a atmosfera da série e faz um ótimo contraste do tom de novela com a sordidez dos personagens e seus habituais momentos em que parece divagar em outra dimensão que está mais relacionada com os níveis de consciência do que com o multiverso. Twin Peaks - Os Últimos Dias de Laura Palmer não acrescenta muito ao universo da série (que rendeu várias outras produções e até um game para os fãs), mas ressalta que sobre aquele crime, Lynch não tinha mais muita coisa a dizer. 

Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer (Twin Peaks: Fire Walk with Me / EUA - 1992) de David Lynch com Sheryl Lee, Ray Wise, Chris Isaak, Kiefer Shutherland, Kyle MacLachlan, Moira Kelly, David Bowie, Mädchen Amick, Pamela Gidley, Heather Graham, Peggy Lipton, James Marshall, Eric DaRe e David Lynch.  

domingo, 6 de julho de 2025

PL►Y: Pecadores

Jordan em dose dupla: mistura de gêneros. 

Alçado ao posto de melhor lançamento cinematográfico de 2025 até agora (e recentemente disponível no Max), Pecadores de Ryan Coogler já possui uma torcida forte para chegar nas premiações de fim de ano. Muito da empolgação em torno do filme se deve à trama inventiva que mistura diversos gêneros cinematográficos, algo cada vez mais raro em tempos em que sequências, reboots e remakes tomam conta dos lançamentos ao longo do ano. O filme conta a história dos irmãos gêmeos Fumaça e Fuligem (ambos vividos por Michael B. Jordan), que voltam para a terra natal afim de deixar o passado para trás. Lá eles reencontram alguns amigos que se juntam para transformar um celeiro abandonado em um bar de blues no Mississipi de 1932. O local ainda é marcado pela segregação racial e a ameaça da Ku Klux Klan ainda se faz presente. Junto aos dois irmãos está o jovem primo Sammie (Miles Caton) que se mostra um prodígio do blues. Se está parte sedimenta o filme como uma celebração da cultura negra local, o filme expande este contexto social para outras analogias sobre ancestralidade, memória, apropriação cultural e luta por identidade quando acrescenta elementos de terror com a chegada de um vampiro (Jack O'Connell) disposto a morder todo mundo que passar em sua frente. A dupla Coogler/Jordan realiza aqui mais um projeto bem sucedido e o faz com bastante estilo, deixando o filme com cara de filme de época com doses de musical e terror realmente arrepiante, sem parecer desengonçado ou forçado. A música tem papel importantíssimo no filme e lhe confere um atmosfera bastante particular, a fazendo despertar diferentes sensações, seja de sensualidade, horror ou religiosidade. A montagem bem executada, boa reconstituição de época e a fotografia soturna na medida certa, ajudam Pecadores a se destacar na safra cinematográfica do ano. Embora o nome de Jordan esteja no alto dos créditos o elenco de apoio mostra-se excepcional, com destaque para O'Conell, (a sempre excelente) Wunmi Mosaku e Hailee Steinfeld. Com seu passeio por diversos gêneros, Pecadores é um filme surpreendente, no melhor sentido que existe. 

Pecadores (Sinners / EUA -2025) de Ryan Coogler com Michael B. Jordan, Miles Caton, Saul Williams, Jack O'Connell,  Delroy Lindo, Wunmi Mosaku, Hailee Steinfeld e Buddy Guy. ☻☻

PL►Y: O Intruso

Ray, Black e Kowal: Teorema erótico segundo Bruce La Bruce. 
 

Houve quem considerasse que o canadense Bruce LaBruce estava cada vez mais comportado após seu trabalho em São Narciso (2020). O diretor do grotesco LA Zombie (2010) já havia provado que era capaz de criar um filme mais contido e interessante com Gerontofilia (2013) e, ciente de que não precisa provar nada para ninguém, ele resolveu polemizar novamente com O Intruso, uma espécie de releitura pornográfica do clássico Teorema (1968) de Pasolini. O filme contava a história de uma família italiana rica que recebe a visita de um jovem estrangeiro, que seduz um a um os membros daquela família, até que decide partir e desequilibra de vez aquelas relações. O filme de Pasolini voltou a ser comentado quando identificaram suas claras referências no recente Saltburn (2023). Enquanto a maioria das pessoas identificavam no filme de Emerald Fennell as semelhanças com O Talentoso Ripley (1999), LaBruce deve ter imaginado que estava na hora de fazer um tributo mais explícito a um dos seus filmes favoritos. O Intruso carrega nas tintas tórridas do filme italiano e torna ainda mais explícito não apenas o que existe de sexual em suas entrelinhas, mas também seu vínculo com as relações de classe, trazendo para uma visão ainda mais atual com um mundo dividido com a situação dos imigrantes nos países desenvolvidos. No entanto, o diretor não se satisfaz apenas com isso e imprime frases de ordem libertárias sobre liberdade sexual e a fluidez das relações entre os gêneros (só para provocar ainda mais a direita conservadora). A trama conta a chegada do visitante (Bishop Black) que chega a um país dentro de uma mala e se instala na casa de uma família burguesa através do convite do criado (Luca Federici). Logo, ele seduz o filho (Kurtis Lincoln), a mãe (Amy Kingsmill), a filha (Ray Fillar) e o pai (Mackli Kowal) em cenas que não causariam estranhamento em um filme erótico da internet. Toques de militância, verniz politizado e discursos de liberdade sexual não conseguem disfarçar o gosto de LaBruce para desafiar o público com uma verdadeira orgia com toques surreais de ficção científica e comédia caricata. O sexo é explícito mesmo e algumas cenas devem causar estranhamento até no cinéfilo mais mente aberta que se deparar com o filme que se perde em meio a tantas provocações. No fim das contas, a impressão é que La Bruce nutriu várias fantasias em torno de Teorema e resolveu compartilhar com o público da forma mais desavergonhada possível. 

O Intruso (The Visitor / Reino Unido - 2024) de Bruce La Bruce com Bishop Black, Mackli Kowal, Ray Fillar, Kurtis Licoln e Amy Kingsmill.  

sábado, 5 de julho de 2025

PL►Y: Saturday Night

Elenco de milhões: o caos diante e atrás das câmeras. 

No próximo dia 11 de outubro o humorístico Saturday Night Live irá comemorar 50 anos de existência! Com tantas décadas em cartaz, o programa se tornou uma marca cultural da comédia dos Estados Unidos e revelou dezenas (ou já se pode dizer centenas?) de artistas ao longo de sua existência. Nomes como Chevy Chase, James Belushi, Maya Rudolph, Amy Poehler, Will Ferrell, Mike Myers, Molly Shannon, Adam Sandler, Dan Aykroyd, Jimmy Fallon, Tina Fey, Eddie Murphy, Bill Murray e Kristen Wiig alguns nomes que migraram o programa para as telas de cinema. Provavelmente o diretor Jason Reitman ouviu tantas histórias sobre o programa que ficou instigado em saber como toda essa história começou e, ao lado do roteirista Gil Kenan, resolveu contar como foram os noventa minutos que antecederam a primeira transmissão do programa. Se o SNL já transparece uma energia caótica até hoje, os bastidores da noite de estreia não são muito diferentes. O filme é uma colagem de vários personagens e situações que ajudaram a construir a identidade do programa, quem costura tudo isso é Lorne Michaels (Gabriel LaBelle), o idealizador do programa que corre de um lado para o outro no estúdio da NBC para fazer com que as coisas se organizem minimamente na estreia. Os roteiros não estão finalizados e uma censora faz questão de identificar qualquer frase que tenha duplo sentido. Os comediantes escolhidos para participar do programa oscilam entre as piadas engraçadas, as perigosas e disputas de ego inflado. Com tanta gente trabalhando contra o relógio, paira no ar a ameaça do programa ser cancelado antes mesmo da estreia pelos executivos do canal (capitaneados por Willem Dafoe). Sorte que Lorne tem seus cúmplices, a produtora Rosie Shuster (Rachel Sennott, ótima como sempre) e o dedicado Dick Ebersol (Cooper Hoffman) e, de vez em quando, os lampejos de genialidade de nomes como Chevy Chase (Cory Michael Smith, um desses atores que eu adoraria ver mais em filmes) e Andy Kauffman (Nicholas Braun) ajudam a bancar o projeto. Jason Reitman realiza aqui um dos seus melhores trabalhos e se arrisca muito ao abraçar a atmosfera caótica do programa. O cineasta bebe diretamente na fonte de Robert Altman e constrói um filme milimetricamente orquestrado por trás de toda a bagunça que se vê na tela. O elenco com dezenas de atores vivendo nomes conhecidos como Dan Aykroyd (Dylan O'Brien), Joh Belushi (Matt Wood), Billy Crystal (Nicholas Podany),  deixa cada um com seu momento para brilhar - e em alguns momentos beiram o surreal. Durante o filme eu fiquei tenso, dei risadas e fui invadido por uma certa nostalgia de um tempo de ousadia criativa que não existe mais. Ignorado nas premiações e pelo público, o filme se tornou um fracasso de bilheteria rendendo menos da metade de seu orçamento. No entanto, Saturday Night consegue ser mais interessante do que muito filme que pairou no Oscar deste ano. 

Saturday Night: A Noite que Mudou a Comédia (Saturday Night - EUA / 2024) de Jason Reitman com Gabriel LaBelle, Rachel Sennott, Cooper Hoffman, Willem Dafoe, Kaia Gerber, Kim Matula, Cory Michael Smith, J. K. Simons, Ella Hunt,  Nicholas Braum, Dylan O'Brien, Matt Wood, Andrew Barth Feldman, Lamorne Morris, Emily Fairn e Finn Wolfhard. ☻☻

PL►Y: Better Man - A História de Robbie Williams

Robbie: um chipanzé no mundo do entretenimento.

Não tem jeito, as biopics de artistas famosos vieram para ficar. Se a grande maioria segue uma receita formulaica, poucas se aventuram a fazer algo diferente e sair do lugar comum. No cinema brasileiro o recente Homem com H (2025) de Esmir Filho enveredou pela sexualidade de seu biografado para fugir da cartilha sem sal da maioria, este Better Man fez por onde ser lembrado no Oscar de... efeitos especiais?! Pois é, ao contar a história do astro pop Robbie Williams, o filme chama a atenção por substituir o ator principal por um chipanzé feito através da captura de movimentos. A ideia maluca já vale o filme, muito pela  competência com que o recurso é utilizado, além disso, o filme carrega nas tintas com a ironia (típica do artista) para representá-lo como um animal do circo do entretenimento da música pop. Quem interpreta o chipanzé é o ator Jonno Davies, mas as expressões foram capturadas do próprio rosto de Robbie, o que torna o resultado ainda mais autêntico. Fora este recurso, o filme segue a estrutura dos filmes do gênero, mostra a infância do personagem no subúrbio de Londres, as dificuldades no relacionamento com o pai, a chegada da fama quando foi selecionado para compor a boy band Take That e sua bem sucedida carreira solo. No entanto, quem viu a minissérie dedicada ao artista na Netflix já sabe como as coisas acontecem, especialmente quando Robbie se entrega aos vícios e enfrenta problemas em sua vida pessoal e tenta colocar a carreira novamente nos trilhos. Na verdade, este se revela o maior problema do filme, já que o fato da minissérie e do filme serem lançados com tanta proximidade (pouco mais de um ano de diferença), deixa uma sensação de falta de novidade. No entanto, o diretor Michael Gracey (de O Rei do Show/2017 estrelado por Hugh Jackman) confere bastante energia ao filme e compõe alguns momentos surpreendentes, como aquele em que o protagonista começa uma verdadeira guerra com seus fantasmas durante um concerto. Outro trunfo do filme é o próprio repertório de Robbie, que é um dos melhores astros pop que surgiram nos anos 1990 e que aqui recebem um tratamento diferenciado que dão corpo de musical fabuloso à produção. Falando nisso, Robbie não lança um álbum pop de inéditas desde 2016 (desde The Heavy Entertainment Show), agora que ele já exorcizou seus fantasmas, ele bem que poderia agradar os fãs com canções novas. 

Better Man - A História de Robbie Williams (Better Man / Reino Unido - EUA - França - China - Austrália - França / 2024) de Michael Gracey com Robbie Williams, Jonno Davies, Steve Pemberton, Alison Steadman, Kate Mulvany, Frazer Hadfield e Damon Herriman.  

sexta-feira, 4 de julho de 2025

4EVER: Julian McMahon

27 de julho de 1968 02 de julho de 2025

 Julian Dana William McMahon nasceu em Sydney na Austrália, sendo o segundo filho de Sir William McMahon, que mais tarde se tornou primeiro ministro e Lady Sonia McMahon, terapeuta ocupacional. Antes de tornar-se ator, Julian se graduou em Direito e Economia. No entanto, o trabalho formal engravatado não o agradou e ingressou na carreira de modelo, engatando uma carreira promissora que o fez percorrer o mundo. Ao final dos anos 1980 começou a participar de séries de TV, ganhando destaque em Profiler (1996-2000) e Charmed (2000-2005). O sucesso chegou como o doutor Christian Troy da (ótima) série Nip/Tuck (2003-2010) que lhe rendeu indicações e prêmios. O sucesso da série impulsionou sua carreira no cinema, tendo como papel mais importante o de Dr. Destino nos primeiros filmes do Quarteto Fantástico (2005 e 2007). Ele também atuou com Sandra Bullock no suspense Premonições (2007) e no sucesso RED - Aposentados e Perigosos (2010). Nos últimos anos ele voltou a atuar na televisão na série FBI (2019-2022) e recentemente se afastou da carreira para tratamento de um câncer que se tornou a causa de seu falecimento. 

PL►Y: Cuckoo

Hunter: terror inspirado em um passarinho muito doido.  

Cuckoo apareceu em algumas listas de filmes de terror mais interessantes do ano passado, mas só recentemente ficou disponível no Brasil via streaming pelo Prime Video. Vi muita gente recomendando o filme e talvez por isso, minhas expectativas ficaram relativamente altas com a produção que termina mais confusa do que memorável. A ideia é mesmo interessante, já que bebe na fonte de uma das maiores curiosidades do pássaro que dá nome ao filme. O Cuckoo é famoso por seu estranho hábito de deixar seus ovos no ninho de um outro pássaro só para que seu filhote seja criado por outra família até que o filhote se torne independente. O filme escrito e dirigido pelo alemão Tilman Singer bebe nesta fonte para construir uma história intrigante, mas que não consegue se sustentar quando sucumbe a várias esquisitices, correndo sério risco de cair no ridículo. O longa conta a história de Gretchen (Hunter Schafer da série Euphoria), que devido a um incidente familiar, passa a viver aos cuidados do pai (Marton Csokas), junto à madrasta (Jessica Henwick) e a companhia da irmã caçula, Alma (Mila Lieu). O quarteto vai viver em um resort remoto e vazio nos alpes alemães que é administrado por um sujeito estranho, de simpatia forçada (Dan Stevens). Quando Gretchen começa a trabalhar na recepção do resort, ela começa a notar uma série de situações estranhas acontecendo com as hóspedes. Ela nem imagina que sua família está envolvida naquelas esquisitices há mais tempo do que pensava. Cuckoo começa bem, cheio de atmosfera e sugestões sobre  o que pode estar acontecendo naquele lugar, mas aos poucos começa a investir em tantas vertentes do horror que se perde em suas maluquices. Existe toques de body horror, de folk horror, de terror psicológico, gore e a coisa poderia ser melhor se o diretor (que está em seu segundo longa-metragem) conseguisse manter um pouco mais o fio da meada. Hunter Schafer começa bem nos primeiros atos, mas conforme a trama se complica, sua personagem parece coadjuvante da própria história, perdendo muito do peso dramático que apresentava no início. É um caso de filme com ponto de partida interessante, mas que possui dificuldades para desenvolver as simbologias, que aos poucos se toram sandices,  pelo meio do caminho.

Cuckoo (EUA - 2024) de Tilman Singer com Hunter Schafer, Jan Bluthart, Dan Stevens, Marton Csokas, Jessica Henwick, Mila Lieu e Greta Fernández.  

quinta-feira, 3 de julho de 2025

FILMED+: Cães de Aluguel

Os homens coloridos: cuidado, cães raivosos. 
 
Eu sei que muita gente considera Pulp Fiction (1994) o grande filme de Quentin Tarantino, outros cultuam o recente (superestimado) Era Uma Vez em Hollywood (2019), mas eu sou do contra. Eu prefiro quando QT é mais sóbrio, como em Jackie Brown (1997) e até quando se rende à teatralidade de Os Oito Odiados (2015), do que quando o liquidificador cultural de QT é ligado no máximo. No entanto, sempre achei que Cães de Aluguel merece mais reconhecimento do que recebe dos fãs. Eu sei que o orçamento modesto está impresso em cada segundo do filme, sei que as cenas de ação do filme carecem de mais emoção (algo que Tarantino desenvolveria melhor somente em Kill Bill/2003), mas nada supera a força dos diálogos carregados de tensão que vemos aqui. Curto em sua uma hora e quarenta minutos e custo enxuto de pouco mais de um milhão de dólares, o longa de estreia do cineasta já demonstrava que ele estava disposto a mudar os paradigmas do cinema. Enquanto Hollywood torrava milhões em filmes de ação infantilizados, QT queria fazer filmes para adultos descolados. Já apareciam aqui os diálogos com pitadas de cultura pop, os terninhos pretos (uma marca do diretor), a trilha sonora antenada e alguns dos atores que se tornariam parceiros de Quentin ao longo da carreira. A trama parte de um roubo de diamantes praticado por um grupo de homens que não se conhecem e se chamam por nomes de cores: Mr White (Harvey Keitel), Mr. Orange (Tim Roth), Mr. Blonde (Michael Madsen), Mr. Pink (Steve Buscemi), Mr. Blue (Edward Bunker) e Mr. Brown (Tarantino). A montagem do filme embaralha a linha temporal da narrativa, abordando um pouco da história de cada personagem, o planejamento do roubo e os acontecimentos ocorridos após nem tudo ocorrer como esperavam. Tarantino estava prestes a fincar a pós-modernidade no cinema para as massas! Se os diálogos são espertos (ainda que cheio de palavrões), a violência surge crua - especialmente quando existem as suspeitas de quem um dos personagens é um informante da polícia. A tensão se torna crescente e ainda mais intensa no duelo entre Roth e Madsen - que surpreende na pele de um personagem assustador (que mais tarde seria também conhecido como Vic Vega, o irmão de Vincent Vega, personagem de John Travolta em Pulp Fiction). Tarantino começava aqui sua jornada na construção de seu estilo próprio, cheio de referências cinematográficas (ele disse várias vezes como o filme é calcado na ideia de The Killing de Stanley Kubrick) e muita violência estilizada. O cinema nunca mais seria o mesmo e o diretor se tornou um exemplo de como diálogos espertos aliados ao tom certo da narrativa pode ser até mais empolgante do que efeitos especiais numa telona. Com o tempo, Tarantino começou a sofrer críticas pela violência de seus filmes e começou a reforçar que suas ideias e cinema vão muito além da estilização sanguinolenta. Cães de Aluguel é a gênese do universo cinematográfico do cineasta. 
 
Cães de Aluguel (Reservoir Dogs / EUA - 1992) de Quentin Tarantino de Tim Roth, Michael Madsen, Harvey Keitel, Steve Buscemi, Quentin Tarantino, Edward Bunker e Chris Penn ☻☻☻

4EVER: Michael Madsen

25 de setembro de 1957 ✰  03 de julho de 2025

Filho de uma poetisa e um bombeiro, Michael Soren Madsen nasceu na cidade de Chicago. Antes de se tornar ator, Michael foi pintor residencial, mecânico e trabalhou em um hospital antes de se tornar ator antes de completar trinta anos. O ator também se dedicava a escrever poesias, tendo lançado livros e colhido elogios por seus trabalhos. Após realizar vários trabalhos para a televisão nos anos 1980, ele conquistou papéis em filmes importantes como The Doors (1991), Thelma & Louise (1991) e, finalmente, Cães de Aluguel (1992) em que vivia o assustador Mr. Blonde. O ator disse em entrevistas que teve problemas para lidar com o personagem, já que não gosta de violência. No entanto, o filme inaugurou sua parceria com Quentin Tarantino que o escalou posteriormente para atuar em Kill Bill (2003-2004) e Os Oito Odiados (2015). Madsen quase trabalhou em Bastardos Inglórios (2009), mas por estar envolvido em outros projetos, o papel acabou com Brad Pitt. Madsen atuou em mais de trezentos projetos e ainda que não tenha recebido prêmios importantes por seus trabalhos no cinema, seu trabalho como Mr. Blonde encontra-se em várias listas de maiores vilões do cinema. O ator faleceu em decorrência de um ataque cardíaco. 

quinta-feira, 19 de junho de 2025

4EVER: Francisco Cuoco

29 de novembro de 1933  19 de junho de 2025

Filho de um feirante de origem italiana, Francisco Cuoco cresceu no bairro italiano do Brás. Durante o dia trabalhava na feira com o pai e à noite estudava. Aos vinte anos decidiu trocar a escolha pelo curso de Direito pelo de Arte Dramática na USP. Seus primeiros trabalhos como ator foram em peças de teatro, sendo protagonista pela primeira vez com Beijo no Asfalto de Nelson Rodrigues em 1961) com direção de Fernando Torres. Em 1963 fez sua estreia na TV com o programa Grande Teatro Murray com peças filmadas transmitidas pela extinta TV Rio. Depois participou de novelas na TV Tupi e na TV Excelsior. O ator se tornou favorito da autora Janete Clair, que lhe criou os personagens Cristiano (Selva de Pedra/1972), Carlão (Pecado Capital/1975), Herculano (O Astro/1977), Tião Bento (Sétimo Sentido/1982) e Lucas (Eu Prometo/1983). O ator ainda teve papéis importantes nas novelas O Outro (1987) e Deus nos Acuda (1992). Devido a complicações de saúde, seus trabalhos mais recentes foram participações especiais em novelas e seriados. Além dos trabalhos na TV, Cuoco participou de dez filmes ao longo de sua carreira. O ator faleceu em decorrência de falência múltipla dos órgãos. 

domingo, 15 de junho de 2025

10+ LGBTQIAPN+BR

Para finalizar o Ciclo DiversidadeSXL de 2025, resolvi fazer uma lista com meus dez filmes brasileiros favoritos com temáticas relacionadas à diversidade sexual. Confesso que foi difícil escolher somente dez e a lista ficou assim: 

 
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CICLO DIVERSIDADESXL: Perto de Você

Elliot: reencontros complicados.  

Sam (Elliot Page) é um homem trans. Faz quatro anos que ele não visita a família e está disposto a revê-la na comemoração de aniversário do pai. Ele sabe que o reencontro após todo o processo de transição será complicado, ao mesmo tempo, já vivenciou situações entre os familiares que lhe geraram desconforto. Durante a viagem ele reencontra Katherine (Hillary Baack), um amor do passado e que o faz reviver sensações para as quais não havia se preparado. Ela está casada e aparentemente bem resolvida, mas também vive um turbilhão de emoções ao rever Sam em sua nova vida. É este reencontro que proporciona algum fato surpresa ao filme, já que os momentos em que Sam está na casa da família, tornam o filme bastante previsível com os momentos episódicos do protagonista junto aos membros da família. Os diálogos isolados seguem exatamente o que as primeiras cenas do personagem sugerem: todos dizem compreender e aceitar toda a transformação pela qual atravessou, mas em vários momentos as conversas lhe cortam feito uma navalha. Seja com a mãe (Wendy Crewson) que chora por ainda ver em Sam a sua menina ou a conversa árdua com outros homens da família. A exceção é a conversa com o pai (Peter Outerbridge) que narra a complicada depressão pela qual o filho atravessava antes de ter coragem para enfrentar as mudanças que precisava. Dirigido por Dominic Savage e escrito por ele ao lado do próprio Elliot Page, o filme investe em uma atmosfera triste, com locações gélidas e fotografia quase sem cor. A estética somada aos rumos da narrativa podem causar um pouco de cansaço no espectador ao acompanhar os martírios de Sam e, assim como o personagem, o público não vê a hora de que aquele tormento acabe. Em determinados momentos a ideia me parece o reencontro de É Apenas o Fim do Mundo/2016, peça de Jean Luc-Lagarce que virou filme pelas lentes de Xavier Dolan, mas sem o punch sufocante. O filme recebeu atenção na estreia no Festival de Toronto em 2023 por ser o primeiro filme de Elliot Page após o seu processo de redesignação sexual, mas não teve muito fôlego para ir além do lugar comum sobre os conflitos familiares em torno desta situação. Ainda espero o dia em que Elliot voltará a viver personagens mais versáteis na telona, acho louvável que sua militância dentro e fora da tela, mas adoraria vê-lo em filme mais diferenciados, assim como era no início de sua carreira. Espero que lembrem do que ele é capaz para além de sua identidade sexual e de gênero.  

Perto de Você (Close to You / Canadá - Irlanda - Reino Unido - EUA / 2023) de Dominic Savage com Elliot Page, Hillaey Baack, Wendy Crewson, Peter Outerbridge, Janet Porter, Alex Paxton-Beesley, Daniel Maslany, Andrew Bushell, David Reale e Jim Watson.  

sábado, 14 de junho de 2025

CICLO DIVERSIDADESXL: O Melhor Amigo

Teixeira e Fuentes: resolvendo uma atração do passado. 

Em 2013 o cearense Allan Deberton lançou o curta O Melhor Amigo e ganhou alguma projeção em festivais e principalmente no Youtube com seu humor queer. Depois de realizar outro curta, um filme para televisão e Pacarrete (2019), um longa elogiado pelo público e pela crítica, Deberton resolveu ampliar as ideias de seu curta celebrado e investir em uma comédia romântica rasgada. Embora a história guarde semelhanças, especialmente o colorido e  o elenco (antes formado por Jesuíta Barbosa e Victor Sousa) agora conta com protagonistas menos conhecidos e várias participações especiais. A trama conta a história de Lucas (Vinicius Teixeira), que nos tempos de faculdade deu um beijo no melhor amigo Felipe (Gabriel Fuentes) e fez com que ele sumisse do mapa. Lucas se formou, foi para a cidade grande, arranjou um namorado dedicado até demais, mas... agora seu relacionamento está em crise. Acontece que Lucas é mais discreto que o parceiro e também nunca superou a história mal resolvida de seu passado. Eis que ele resolve dar um tempo no relacionamento e ir passar férias em Canoa Quebrada e ele reencontra seu crush do passado por lá. Para adaptar um curta pra um longa metragem de hora e meia, Deberton precisa ter mais a oferecer e insere números musicais com músicas conhecidas (Herva Doce, Blitz, Zizi Possi...) e uma apimentada na história, afinal, Lucas terá seus momentos com Felipe, com um casal gay que mantém um relacionamento aberto e até uma recaída com seu namorado apaixonado. Além disso os personagens frequentam um inferninho esperto chamado Sal e Pimenta, que conta com shows de drag queens e até da Gretchen!! O filme também arranja espaço para algo místico para Claudia Ohana ler cartas de tarô e uns beijos e nudez masculina aqui e ali. O resultado é um pouco desgovernado (e desavergonhado), mas consegue divertir com seus personagens perdidos em meio ao desejo e a vontade de viver um romance para a vida toda. Se for visto como uma comédia leve e despretensiosa o filme funciona, principalmente para o público que não exigir muita complexidade dos personagens que estão na tela. Confesso que achei graça de várias cenas com o protagonista comportadinho ainda aprendendo a vivenciar seus desejos sem culpa, mas é uma pena que o filme vá perdendo o pique perto do final e termina de maneira sem graça. Após uma rápida passagem pelo cinema, o filme está em cartaz na GloboPlay. 

O Melhor Amigo (Brasil/2024) de Allan Deberton com Vinicius Teixeira, Gabriel Fuentes, Leo Bahia, Claudia Ohana, Mateus Carrieri, Solange Teixeira, Marta Aurélia e Gretchen. 

sexta-feira, 13 de junho de 2025

CICLO DIVERSIDADESXL: Meu Nome é Maria

Dillon e Anamaria: traumática filmagem. 
 
Até pouco tempo Maria Schneider era um grande enigma para mim. Eu nunca entendi muito bem como uma atriz que dividiu os créditos com Marlon Brando em um filme tão falado quanto O Último Tango em Paris (1972) não havia realizado nenhum grande filme depois daquele. Ao longo do tempo li algumas coisas sobre suas história conturbada pelo uso de drogas, descobri que era lésbica e que tentou suicídio. Falecida em 2011, recentemente, com toda a repercussão do movimento #metoo seu nome trouxe de volta aos holofotes o processo de filmagem do clássico de Bernardo Bertolucci e, em uma entrevista vergonhosa, o diretor italiano confirmou que durante a filmagem da polêmica cena da manteiga a então jovem atriz de 19 anos não fazia a mínima ideia do que aconteceria naquele momento. Com isso, antigas entrevistas de Schneider foram resgatadas e muito se comentou sobre a brutalidade naquela filmagem, a situação abusiva que se instaurou para construir aquele "realismo" que de fato era real, já que o que se via em cena não estava no roteiro ou fez parte dos ensaios. Aquele não era o desespero da personagem, mas da própria atriz. A cineasta Jessica Palud trabalhou como assistente de Bertolucci em Os Sonhadores (2003) e ao descobrir os bastidores daquela cena, sentiu-se instigada em abordar a história da atriz. O roteiro foi escrito pela própria diretora, pela jornalista Vanessa Schneider (prima de Maria e autora do livro que inspira o filme) e Laurette Polmanss, o trio conta com muito cuidado um recorte tenso sobre a vida da atriz. Maria (vivida por Anamaria Vartolomei) era filha do ator Daniel Gélin (interpretado por Yvan Attal), mas ela foi criada pela mãe Marie (Marie Gillain). Quando ela se aproxima do pai, cresce seu interesse pelo cinema, mas passa a existir uma tensão no relacionamento com a mãe. Ela é expulsa de casa e investe no trabalho como atriz para conseguir se manter. Após alguns papéis discretos, ela é convidada por Bertolucci (Giuseppe Maggio) para interpretar Jeanne, uma jovem que passa a se encontrar com um desconhecido em um apartamento para momentos tórridos. Maria não entende muito bem o motivo dela ser a escolhida para o projeto, mas aceita o convite motivada por trabalhar com a lenda viva Marlon Brando (interpretado de forma estranhamente convincente por Matt Dillon). Ela não sabia que antes deles vários atores e atrizes desistiram do filme ao considerar o roteiro pornográfico. O que era para ser a grande chance de sua carreira se torna um pesadelo após aquela fatídica cena. Se no filme de 1972 o desconforto já existia, aqui ele é maior ainda, já que a diretora a reproduz de forma bastante crua, fiel ao que aconteceu nas filmagens. Muito se especula que toda aquela situação foi motivada pelo ciúme que Bertolucci sentia de Maria com Brando durante as filmagens. O filme não aprofunda esta teoria, mas demonstra um bom relacionamento entre o casal de atores, o que só amplia o sentimento de traição vivido por Maria daquele momento em diante. O filme apresenta como foi difícil para uma jovem atriz enfrentar toda a repercussão do filme na Europa e os comentários jocosos do público enquanto o ator e o diretor estavam em Hollywood enquanto ela foi abandonada à própria sorte perante todo o escândalo que a tal cena provocou (o que a fazia reviver o trauma a cada entrevista, comentário e encontro com espectadores).  Deve ter sido um processo tão doloroso que fez com que a atriz usasse heroína com cada vez mais frequência, o que atrapalhou a sua carreira e o relacionamento com Noor (Céleste Brunnquell), que recebe destaque na trama em sua convivência com a atriz em momentos difíceis de sua vida. A romena Anamaria Vartolomei defende a personagem com unhas e dentes e apresenta mais um trabalho marcante, tal e qual sua premiada performance em O Acontecimento (2022) e o tom do filme ajuda muito para que a produção funcione. Meu Nome é Maria não faz escândalo, chega a ser bastante discreto em respeito à atriz que recentemente teve uma mudança de olhar da mídia sobre a sua carreira mediante a traumática situação vivida enquanto tentava realizar o seu ofício de atuar. Vale lembrar que apesar de toda controvérsia O Último Tango em Paris foi indicado a dois Oscars: melhor ator (Marlon Brando) e melhor diretor (Bertolucci).  
 
Meu Nome é Maria (Maria / França - 2024) de Jessica Palud com Anamaria Vartolomei, Matt Dillon, Céleste Brunnquell, Giuseppe Maggio, Marie Gillain e Yvan Attal☻☻☻☻ 

quinta-feira, 12 de junho de 2025

CICLO DIVERSIDADESXL: Toda Terça-Feira

Tilda e Del:  conflitos entre seres em transição. 
 
Faz algum tempo que Billie (Tilda Cobham-Hervey) vive com  a mãe (Del Herbert-Jane), no entanto, a mãe está prestes a começar seu processo de redesignação sexual, já que recentemente se percebeu como transexual e começará uma série de tratamentos e acompanhamentos para esta mudança. Com isso, Billie vai morar com pai (Beau Travis Williams) e firma um acordo de encontrar a mãe toda terça-feira. O filme da diretora Sophie Hyde passa então a estruturar sua narrativa ao longo de um ano desses encontros, num total de 52 dias organizados quase episodicamente ao longo de quase duas horas de filme. Embora a mãe, que agora passa a se reconhecer como James, tenha apoio dos outros personagens da trama, o processo de transição não é apresentado de forma didática ou fácil ao espectador, cada mudança física, no tom de voz, efeitos hormonais, cirurgias, uso de próteses convive então com as relações entre os personagens e as descobertas que fazem ao longo do caminho. Poré, estes elementos não fazem com que o foco recaia somente sobre James, mas também sobre Billie, que precisa lidar com os novos parâmetros de convivência com sua mãe e suas próprias descobertas sexuais na adolescência e sua efervescência hormonal de dezesseis anos de idade. A estrutura fragmentada do filme causa algum estranhamento no início, mas conforme a trama e os arcos das personagens avançam, o filme se torna cada vez mais robusto, principalmente por James ter que lidar com alguns efeitos colaterais de seu processo de transição e a descoberta de que o mundo não espera que ela vença seus desafios para que outros apareçam no caminho. Aos poucos o filme se torna um turbilhão de situações. A relação com a filha torna-se cada vez mais complicada, especialmente quando Billie se envolve em um triângulo amoroso com um casal de colegas da escola. Este envolvimento lhe coloca em busca de descobertas, mas também a insere em uma situação perigosa envolvendo registros em vídeo dos encontros entre eles. Estes registros em vídeos ressalta as referências documentais do filme, que apresenta um tom realista do início ao fim, especialmente pela forma como lida com os recortes semanais da vida daqueles personagens. Acontece tanta coisa durante o filme que em determinado momento me surpreendi ao notar que não havia chegado na metade de sua duração! A produção utiliza uma montagem ágil, por vezes crua e um tanto áspera na abordagem daquele ano na vida dos personagens. Alguns dias (que são enumerados) rendem cenas mais longas, outras mais curtas, algumas leves, outras densas, envolvendo o espectador em uma montanha-russa surpreendente de situações.  Em tempos de algo tão equivocado como Emília Perez (2024), Toda Terça-Feira se torna um antídoto com sua abordagem mais humanista e realista sobre a transsexulidade  (e imaginar que o filme foi lançado há mais de dez anos). Muito do mérito do filme fica por conta de Tilda e Del, respectivamente na pele de filha e mãe, ambas compõem retratos contundentes de personagens em transição em momentos distintos de suas vidas e o impacto que uma tem na realidade da outra. A complexidade com que o filme aborda suas temáticas lhe valeu um Urso de Cristal no Festival de Berlim em 2014 e elogios quando foi exibido no Festival Mix Brasil do mesmo ano. Um filme pouco conhecido, mas que merece atenção e está em cartaz no Filmicca.  
 
Toda Terça-Feira (52 Tuesdays - Austrália / 2013) de Sophie Hyde com Tilda Cobham-Hervey, Del Herbert-Jane, Imogen Archer, Sam Althuizem, Beau Travis Williams e Mario Späte. ☻☻☻☻  

quarta-feira, 11 de junho de 2025

CICLO DIVERSIDADESXL: A Herança

Diego e Yohan: herança macabra. 

Thomaz (Diego Montez) mora na Alemanha com o namorado Beni (Yohan Levy) e está preocupado como o visto que está prestes a expirar. Fazia tempo que ele não tinha contato com a mãe e retorna ao Brasil para o enterro dela acompanhado de Beni. No retorno, ele conhece duas tias que não tinha contato desde pequeno e os dois se hospedam na casa delas. Embora sejam muito atenciosas, as duas demonstram alguns hábitos estranhos que deixam Beni bastante preocupado, Thomaz nem imagina que sua família possui segredos e antigas tradições que deixam sua herança, digamos... complicada. Por algum motivo sua mãe sempre evitou contato com as familiares e aos poucos o protagonista e o espectador irão descobrir o motivo. A Herança é um filme de terror dirigido por João Cândido Zacharias que possui até boas ideias, mas algumas dificuldades para lidar com elas -  muito por conta de ceder à tentação dos clichês de produções americanas que acabam comprometendo a identidade do filme (e nem me refiro ao excesso de diálogos em inglês). O filme capricha na ambientação da casa com maior vocação para ser mal assombrada, peca por não desenvolver adequadamente os personagens secundários e até mesmo os protagonistas, que leram direitinho a cartilha de personagens ingênuos de filmes de terror. No entanto, cabe aos dois o ponto mais interessante da trama, já que a trama permite uma leitura interessante sobre o fato de Thomaz fugir de seu destino de perpetuar os planos de sua família. O roteiro fica bem próximo de abordar uma questão controversa como "a cura gay", mas se esquiva dela, deixando o texto um tanto vazio neste aspecto. Sexualmente falando, o filme ousa alguns pontos por ter uma cena tórrida entre os dois protagonistas, mas depois revela o horror de uma cena de abuso sexual quando o filme descamba para o trash sem pudores. Filmes de terror são realmente complicados, precisam de muito equilíbrio para não cair no ridículo, ao mesmo tempo podem tropeçar quando consideram que tudo é permitido neste tipo de produção. Quando o filme termina eu fiquei imaginando o diretor assistindo Hereditário (2018) e imaginando como tornar aquele tema macabro girando em torno de um casal gay. A Herança erra seu rumo no meio do caminho, mas provoca alguma curiosidade no espectador para ver o que irá acontecer com aqueles dois moços que aceitam a acolhida de duas senhoras estranhas que lhe oferecem um bolo azul e guardam queijos apodrecido no porão. Ainda assim, fiquei instigado com o que o diretor pode realizar se seguir a mesma linha em seus futuros projetos.

A Herança (Brasil/2024) de João Cândido Zacharias com Diego Montez, Yohan Levy, Analú Prestes, Cristina Pereira, Luiza Kozovski, Ana Carbatti, Jimmy London e Gilda Nomacce. ☻☻ 

terça-feira, 10 de junho de 2025

CICLO DIVERSIDADESXL: Misericórdia

Félix e Durand: visitante objeto de desejo e repulsa.  

O diretor Alain Guiraudine ganhou fama mundial com Um Estranho no Lago (2013), o sexto longa metragem de sua carreira. Naquele filme, um homem frequenta um lago afastado da cidade em que um grupo de homens vão para encontros sexuais - e todas as neuroses sobre o parceiro que você pode encontrar são encarnados pela presença de um serial killer entre os frequentadores. Equilibrando erotismo e suspense, o filme caiu nas graças do público LGBTQIAPN+. Não desejando se repetir, ele lançou o horroroso Na Vertical (2016) que não alcançou um terço do apelo do filme anterior. Oito anos depois (o diretor nunca deixou uma pausa tão grande em sua carreira iniciada no ano 2000), o diretor lançou Misericórdia, um filme que mistura comédia, crime e suspense num clima em que o espectador parece ser o maior detetive da trama. O filme acompanha a chegada de Jérémie (Félix Kysyl) que volta ao seu vilarejo natal para o enterro de seu antigo patrão, o padeiro local. Na verdade o falecido era mais do que um patrão e amigo, afinal, ele é mencionado como uma espécie de mentor, com quem Jérémie teve uma ligação muito especial quando era mais jovem. Convidado para ficar hospedado na casa da família enlutada, ele é acolhido pela viúva (Catherine Frot), mas aos poucos desperta cada vez mais ciúme no filho do morto (Jean Baptiste Durand), com quem Jérémie demonstra indícios de ter um envolvimento mais do que amigável no passado. O visitante também aparenta ter grande proximidade com Walter (David Ayala), que evita as investidas do moço. No entanto, se o grande sucesso da carreira do diretor ficou conhecido por tudo que era explícito, em Misericórdia, ele faz graça com o implícito. Em momento algum é dito que Jérémie manteve relações sexuais com quaiquer daqueles personagens no passado, mas existem tantas insinuações sobre a vida sexual do rapaz que a plateia imagina que quem se envolveu (ou não) com ele, nutriu algum rancor por conta disso. Esse caldeirão de tensões emocionais/sexuais começa a ferver ainda mais quando um personagem desaparece e Jérémie precisa se virar para demonstrar inocência, sendo capaz até mesmo de fazer um acordo inusitado com um outro personagem que começa a demonstrar interesse por ele e está disposto até a lhe fornecer um álibi perante a polícia. O filme surpreende pela capacidade com que deixa as entrelinhas para a plateia preencher e faz graça ao mesmo tempo em que amplia o seu emaranhado de sentimentos contraditórios entre os personagens e, talvez, o mais contraditório de todos seja o próprio protagonista que não consegue sair daquele lugar que já abandonou (sabiamente) no passado. Trata-se de uma comédia de humor bastante singular e até incômodo, mas que não deixa de ser original pela forma com que trabalha o tempo inteiro com o poder da sugestão, ou seria da provocação? O filme está atualmente disponível no Filmicca.  

Misericórdia  (Miséricorde / França - Espanha - Portugal / 2024) de Alain Guiraudie com Félix Kysyl, Catherine Frot, Jean-Baptiste Durand, Jacques Develay, David Ayala e Serge Richard. ☻☻☻☻