Quando Emilia Pérez saiu do Festival de Cannes com os prêmios de melhor atriz dividido entre as suas estrelas parecia nascer ali um grande favorito para as premiações do ano. Os olhos da Netflix cresceram e garantiu a presença do filme entre suas aquisições de catálogo e começou a articular uma campanha grandiosa para que finalmente levasse o Oscar de melhor filme para a casa. O problema foi que tão logo o filme foi lançado nos cinemas as críticas negativas começaram a empilhar. Afinal, trata-se de um filme francês, mas que conta uma história ambientada no México, com atrizes principais que vieram dos Estados Unidos e da Espanha para realizar um musical sobre uma personagem transgênero e as mazelas do tráfico de drogas. Só isso já renderia material para muitas problematizações, mas o filme ainda virou alvo de críticas pelos comentários infelizes do diretor e da produtora sobre a escolha do elenco internacional, sobre a língua espanhola e rendeu até para antigas publicações racistas de sua protagonista, a espanhola Karla Sofía Gascón em redes sociais (que depois só se complicou ainda mais em declarações desastrosas). Karla se tornou a primeira atriz trans indicada ao Oscar, mas o que poderia ser um feito a comemorar se tornou um verdadeiro pesadelo para a campanha do filme já que a comunidade LGBTQIAPN+ percebeu que o filme se apropria de uma pauta (a visibilidade trans) apenas para ganhar promoção e dinheiro (tanto que em Cannes perdeu a Palma Queer para Três Quilômetros para o Fim do Mundo, o escolhido romeno que ficou de fora da vaga no Oscar de Filme Internacional). Muito disso se deve à própria concepção da personagem título: um traficante sanguinário que se submete à cirurgia de ajuste de gênero para se tornar a mulher que sempre sonhou ser, mas também fugir e se safar de todas as atrocidades que cometeu. Para isso conta com a ajuda da advogada frustrada com a vida e com a profissão, Rita Mora (Zoe Saldana) que ajeita a vida do criminoso, mas também a da esposa (Selena Gomez) e dos filhos dele, os enviando para Suíça. Sete anos depois, já com a identidade de Emília Perez (Gascón), ela sente muita falta da família e os deseja por perto novamente, o que a faz retornar e se apresentar como uma prima do desaparecido. O retorno a faz se deparar com as vidas de famílias destruídas pelo tráfico e se tornar uma ativista para ajudar aqueles que ela mesma ajudou a destruir no passado. O roteiro cria para si muitas situações complicadas para administrar e só piora quando Emilia esconde por trás da imagem de bem feitora os traços do sangue vilanesco de antes (o que não impede que ao final seja cultuada feito uma santa). Não bastasse tudo isso, o filme é um musical (e para fundamentar a ideia, o diretor apresenta uns mariachis na primeira cena...) o que só reforça um certo tom de não levar a sério os temas que aborda (a música na clínica cirúrgica é uma das coisas mais horrorosas que já ouvi), salva-se ao menos a premiada El Mal em que Zoe Saldana consegue manter o tom da personagem que emerge como fio condutor para toda essa sandice. Ao final, Emilia Pérez soa uma obra desconjuntada, cheia de fios soltos e mal desenvolvidos que se apoia no talento de suas atrizes para exalar algum mérito. Não consigo entender como um filme tão problemático se tornou o mais indicado ao Oscar 2025 (concorre em filme, filme internacional, direção, atriz, atriz coadjuvante, roteiro adaptado, trilha sonora, maquiagem/penteados, som, fotografia, montagem e duas indicações para melhor canção), visivelmente errado em sua essência, Emilia Pérez tem o som da decepção.
Emilia Pérez (Emília Perez / França - Bélgica / 2024) de Jacques Audiard com Karla Sofía Gascón, Zoe Saldana, Selena Gomez, Adriana Paz, Edgar Ramírez, Mark Ivanir e Emiliano Hasan. ☻
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