Pam Grier (ao centro): blaxploitation by Tarantino.
De vez em quando tenho certeza absoluta de que Jackie Brown é o melhor filme de Quentin Tarantino. Sei que para os fãs do diretor minha consideração soa como uma heresia, já que é o filme menos celebrado do diretor e o qual ele filma de forma mais tradicional. O motivo para essa experiência mais contida foi que conforme seus primeiros filmes ganhavam projeção (Cães de Aluguel/1992 e Pulp Fiction/1994) e outros saiam da gaveta dos estúdios (Amor à Queima Roupa/1993, Assassinos por Natureza/1996 e Um Drink no Inferno/1996) os mais desconfiados começavam a criticar sua obra por glamourizar a violência. Em Jackie Brown, o diretor quis provar seu cinema tinha outros elementos. Para começar pegou o romance policial Ponche de Rum de Elmore Leonard e transformou seus personagens brancos em negros. O que parece apenas um detalhe faz toda a diferença no contexto social que o diretor quer abordar em uma estética que remete diretamente ao blaxploitation, um subgênero cinematográfico em alta nos anos 1970 voltado para o público negro urbano com tramas regadas com policiais, violência, trilha soul e sensualidade. Por isso, não é por acaso, que Tarantino ressuscita a musa do gênero Pam Grier para encarnar sua protagonista com todo o rigor que ela necessita. Grier está espetacular em cada cena, recebendo tratamento de Diva, mesmo quando surge desglamourizada na tela (por sua atuação foi lembrada no Globo de Ouro e no prêmio do sindicato mas foi desprezada no Oscar). Jackie é uma comissária de bordo que transporta dinheiro em suas viagens de trabalho para o traficante Ordell (Samuel L. Jackson, que pelo papel foi eleito o melhor ator do Festival de Berlim em 1997). Eis que um dia ela é abordada por dois policiais que investigam uma morte em que Ordell está envolvido e ela percebe que pode ser a próxima vítima. Jackie sabe que a vida para uma mulher que beira os cinquenta anos, negra e que trabalha numa pequena companhia aérea não promete melhorar depois de uma situação dessas - especialmente por Ordell desaparecer com as pessoas que colocam em risco seus negócios. Sorte que Jackie é mais esperta do que os outros personagens - e que Ordell colocou em seu caminho o agente de fianças Max Cherry (Robert Foster, indicado ao Oscar de Coadjuvante), que cai de amores por Jackie desde que a vê pela primeira vez. Os dois colocaram em prática um plano perigoso, mas que, se funcionar, tem tudo para ser perfeito. Depois do Oscar de roteiro original por Pulp Fiction, Tarantino comprovou aqui sua astúcia na escrita de diálogos inteligentes e elétricos, além disso, reforçou sua habilidade em gerar tensão nas cenas - embora seja óbvio que se sujeitou à uma camisa de força (repare como as cenas com tiros e armas sempre desviam o olhar do espectador para tornar tudo menos explícito). Além disso, Tarantino reafirmou seu faro perfeito para que ator deverá viver cada papel, sem ligar para quem está em alta ou em baixa. Repete a parceria com Samuel L. Jackson, oferece um papel de periguete para a classuda Bridget Fonda (que abandonou a carreira de atriz anos depois), deixa Robert DeNiro em segundo plano, mostra que Michael Keaton ainda é interessante e valoriza veteranos deixados de lado pela indústria como Robert Foster e Pam Grier (que tem uma química incrível na tela). Não bastasse o ótimo elenco, o filme segue o curso necessário para dizer que Tarantino não estava disposto a se repetir e que era capaz de gerar momentos geniais como a antológica cena do plano em prática no shopping (o que já vale o filme por mostrar o ponto de vista de cada personagem sobre o elaborado plano de Jackie para atravessar um vale de bandidos e policiais que não dão a mínima importância para ela). Repleto de qualidades, ainda que subestimado por suceder Pulp Fiction, Jackie Brown é o filme que mostra que ainda contido, Tarantino pode criar uma verdadeira obra-prima.
Jackie Brown (EUA/1997) de Quentin Tarantino de Pam Grier, Samuel L. Jackson, Robert Foster, Robert DeNiro, Bridget Fonda, Michael Keaton e Chris Tucker. ☻☻☻☻☻
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