sábado, 23 de novembro de 2024

KLÁSSIQO: Teorema

Stamp: o sedutor misterioso de Pasolini.

Um teorema é uma proposição que é demonstrada por raciocínios lógicos, partindo de dados ou de hipóteses. Quando Pasolini inicia seu Teorema ele apresenta uma entrevista em meio a um bando de pessoas sobre um operário que recebe a empresa de herança do patrão. A ideia gera discussões e teorias antes que sejamos apresentados à uma família burguesa e sua boa vida. O ano é 1968 e no meio do luxo em que o empresário (Massimo Girotti) vive com a bela esposa (Silvana Mangano) e o casal de filhos, (Andrés José Cruz Sooublette e Anne Wiazemsky) existe um bocado de tédio. Uma esterilidade que tentam disfarçar com roupas de luxo, festas e jantares com seus convidados igualmente ricos. Eis que em um deles conhecemos um visitante (Terence Stamp) sobre o qual ninguém sabe muita coisa. Ele se torna cada vez mais próximo da família e se torna amigo do filho para dias depois já estar dividindo o quarto com ele. Existe um interesse generalizado por aquele rapaz de origem diferente dos que vivem naquela casa, tanto que logo todos e todas, a começar pela criada (Laura Betti), serão seduzidos por ele. Colabora muito para o jogo de sedução o jeitão sempre misterioso do inglês Terence Stamp, então com trinta anos e com aqueles olhos que parecem desbravar os segredos da alma de qualquer um. Na primeira parte do filme, cada um dos personagens terá o prazer de momentos de intimidade com o moço, até que na segunda parte ele precisa ir embora sem maiores explicações e todos precisam lidar com sua ausência, buscando novos rumos e soluções para a rotina entediante de suas vidas que não conseguem mais voltar a ser o que era antes. Acho que falei demais sobre o filme, mas o que Pasolini constrói aqui é uma alegoria sobre a relação indissociável entre burguesia e proletariado, havendo um caráter deliciosamente subversivo na  criatividade inquieta do cineasta ao inserir o sexo como um ponto de inversão na relação de poder apresentada entre as classes do filme. Diante da ausência do visitante os caminhos seguem por rumos inesperados, seja pela arte ou pela morte, mas sem perder o caráter de surto após os personagens vivenciarem seus desejos mais recalcados. Existe um tanto de culpa, assim como um flerte com o divino e o profano no desfecho de tudo isso. É uma ideia tão interessante que influencia obras até hoje. Vendo o filme lembrei da música da Legião Urbana ("Não vá embora, fique um pouco mais, ninguém sabe fazer o que você me faz. É exagero e pode até não ser. O que você consegue, ninguém sabe fazer"...) e que enquanto muita gente apontava tudo o que Saltburn (2023) tinha de O Talentoso Ripley (1999), cinéfilos mais antenados ressaltavam o quanto o filme de Emerald Fennell tinha de Teorema. Embora ela inverta a ausência de sua trama, as referências ainda são muito evidentes, alcançando intenções e resultados diferentes.  Teorema é considerado por muitos a obra-prima do cineasta italiano que sempre adorou uma polêmica, aqui ele opta por uma linguagem mais concisa e econômica, com poucos diálogos e longos silêncios, as intenções ficam nas entrelinhas até o desfecho repleto de angústia. 

Teorema (Itália / 1968 ) de Pier Paolo Pasolini com Terence Stamp, Silvana Mangano, Massimo Girotti, Laura Betti, Andrés José Cruz Sooublette e Anne Wiazemsky. ☻☻

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