Ulliel na ponta da mesa: pagando a conta pelos anos de ausência.
Há algum tempo Xavier Dolan assistiu a uma peça escrita por Jean-Luc Lagarce e a considerou insuportável. Anos depois se deparou novamente com a tal peça e percebeu qualidades que até então não havia encontrado. Portanto, não deixa de ser curioso que no ano passado a obra de Lagarce tenha chegado às telas pelas mãos do cineasta canadense, que aos 27 anos, lançava seu sexto longa no Festival de Cannes. Ironicamente, o diretor teve que ouvir alguns aplausos e muitas vaias diante de seu novo trabalho - mas, lembrando de seu primeiro contato com a jornada de Louis na conflituosa visita à família após doze anos de ausência, Dolan deve ter entendido o motivo de controvérsia (sorte que ele ganhou o Grande Prêmio do Júri para amenizar as suas dores). É Apenas o Fim do Mundo não é mesmo um filme agradável de assistir, afinal, trata-se de pouco mais de noventa minutos de relações ásperas, diálogos ofensivos, tudo temperado com ressentimentos, rancores e picuinhas que acontecem nas melhores (e piores) reuniões familiares. A diferença é que cada close, cada enquadramento, corte e silêncio tornam a experiência tão sufocante para o espectador quanto para o protagonista. O desconforto transborda da tela e poucos espectadores estão dispostos a perceber que nem sempre cinema é diversão, mas uma experiência que transcende estar sentado diante de uma tela para passar o tempo. Dolan defendeu seu filme argumentando que era o seu melhor trabalho e que achava absurdo uma pessoa dizer que qualquer obra é boa ou ruim assim que ela termina, afinal, é necessário tempo para serem digeridas. O filme serve apenas para despertar aquelas emoções na plateia e elas podem continuar por um longo tempo até serem compreendidas. Se esta era a intenção do diretor ele conseguiu alcançar o que queria! Pela primeira vez o canadense trabalha com um elenco plenamente francês, deixando de lado suas atrizes favoritas (as ótimas Anne Dorval e Suzanne Clément ficaram de fora) na construção de uma família que se ama, mas que não resiste em transformar o nobre sentimento em munição de ataque contra o outro. Quando o dramaturgo Louis viaja para visitar a família, temos uma certeza: ele precisa comunicar que morrerá em breve. Diante da mãe elétrica (Nathalie Baye, que trabalhou com Xavier em Laurence Anyways/2012), da irmã caçula que não viu crescer (Léa Seydoux), do irmão rancoroso (Vincent Cassel) e da cunhada desconhecida (a sempre ótima Marion Cotillard), o motivo da visita engasga no interior do protagonista, afinal, entre a avalanche de cobranças, ironias e incompreensões, o momento ideal nunca chega. Existem momentos em que fica evidente o caráter teatral do texto (principalmente nos atos em dupla), mas Dolan utiliza sua câmera para explorar seus atores ao máximo em closes de pequenos momentos reveladores que se escondem entre as palavras. Um olhar, um meio sorriso, um gesto geralmente diz muito mais do que os diálogos que tentam disfarçar o quanto todos estão vulneráveis diante do visitante de poucas palavras. Além do bom trabalho com os atores, Dolan aparece mais maduro no uso da câmera, na economia dos recursos narrativos (é verdade que ele continua utilizando música pop para pontuar momentos importantes e há momentos em que a histeria contamina todo o elenco, mas quem conhece o cinema do rapaz, sabe que estes dois aspectos se mostram cada vez mais como alicerces de sua cinematografia). O cineasta ainda consegue trabalhar de forma sutil a relação mais complicada e explosiva do filme (a estabelecida entre Louis e seu irmão) tendo como contraponto a conexão pelo olhar entre Louis e a cunhada (que contempla com olhos doces todo o caos emocional daquela família). É Apenas o Fim do Mundo é uma obra difícil, onde a grande riqueza reside nas entrelinhas quase auto-biográficas de Lagarce, autor que tornou-se mais reconhecido após a morte em 1995 por consequência da AIDS. Quem gostar do texto, vale a pena a leitura de Últimos Remorsos Antes do Esquecimento que ao lado de É Apenas o Fim do Mundo faz parte do seleto grupo de obras eleitas para representar a Literatura Moderna, Literatura Clássica e Gramática Francesa desde 2005. Já o filme foi o escolhido canadense para disputar o Oscar de filme estrangeiro deste ano, mas ficou de fora (ele teve melhor sorte no César onde foi indicado a seis prêmios, levando três: melhor ator/Gaspard Ulliel, diretor e montagem - ambos para Dolan). Para os fãs do diretor, será ainda mais interessante ver os paralelos com outras obras do cineasta, especialmente com o excelente Tom na Fazenda/2013.
É Apenas o Fim do Mundo (Juste La Fin du Monde/Canadá França-2016) de Xavier Dolan com Gaspard Ulliel, Vincent Cassel, Marion Cotillard, Nathalie Baye e Leá Seydoux. ☻☻☻☻
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