McGregor: O livro favorito de Nagiko.
Antes de se tornar um galã em Hollywood, Ewan McGregor chamou a atenção em filmes independentes europeus e, na grande maioria deles, adorava aparecer sem roupa. Em nenhum deles seu despudor foi mais utilizado do que neste O Livro de Cabeceira, um dos filmes de maior erotismo da década de 1990. Dirigido por Peter Greenaway quem busca um filme repleto de sacanagem e vulgaridade irá se decepcionar, mas quem busca uma produção diferente poderá ficar hipnotizado pela história apresentada pelo diretor. O diretor galês desperta amor ou ódio em quem assiste aos seus filmes. Portanto, comentar qualquer obra dele pode se tornar uma tarefa árdua. Suas obras sempre dividem opiniões e, apesar da maioria do público ter acesso às suas obras cinematográficas, ele também costuma criar espetáculos teatrais estilizados a partir da projeção de imagens, este trabalho com projeção pode ser conferido até em algumas cenas deste que é um dos seus filmes mais ousados e coerentes, mesmo tendo como ponto de partida uma ideia bem simples. Ambientado na década de 1970 o filme conta a história de Nagiko (Vivian Wu), uma garota que desde os quatro anos recebe como presente do pai os votos de feliz aniversário escritos em seu rosto. O afeto pelo pai e a descoberta de uma sexualidade dúbia em torno do patriarca, marcarão para sempre a identidade de Nagiko pautada na escrita como expressão de sexualidade. Não bastasse isso, a personagem cresce e enfrenta uma série situações pessoais complicadas: um casamento fracassado, um incêndio, um amante calígrafo que utiliza sua pele como páginas de um romance... é neste momento, mergulhada na atmosfera da relação de dominador (a pena) e o dominado (o papel) que Nagiko percebe que ela deve ser a "pena" da relação. É neste momento que ela cria sua história de vingança ao conhecer Jerome (McGregor) que se tornará seu amante e isca para o plano de vingança contra um editor que acredita ter prejudicado sua família. Há quem se escandalize com o romance tórrido entre Jerome e Nagiko e nem se dê conta da proposta interessantíssima proposta por Greenaway sobre a relação entre a escritora e sua obra. A protagonista envia ao editor sua obra dividida em 13 capítulos, cada um deles escrito engenhosamente sobre a pele de 13 homens em partes que fazem referência aos seus títulos (nem vou dizer onde está escrito o entitulado Livro dos Segredos). O editor fica fascinado pela história e pela forma como se apresenta de forma interativa ao leitor - mas a autora não contava com o ciúme que sentiria de sua obra, especialmente com a escrita em seu amante (que acaba por evidenciar que ela expõe de si mais do que estava preparada a fazer, e isso poderá ter consequências trágicas para todos). Talvez por investir em cenas de nudez e sexo (emolduradas por uma fotografia avermelhada desbotada), Greenaway tenha optado por uma baixa voltagem nanarrativa. Neste processo a intensidade dos personagens é comprometida, de forma que nunca se rendem plenamente às possibilidades em vista, sendo assim, aparecem muitas vezes como objetos de narrativa e não sujeitos das ações apresentadas (mas talvez a ideia fosse essa mesmo, afinal as pessoas são transformadas em... livros!). Com cenas de grande plasticidade e o uso (quase revolucionário para época) de mostrar a tela partida para expressar diferentes olhares sobre a mesma cena, O Livro de Cabeceira (nem vou explorar o quanto há de romantismo nesse título) exibe um Greenaway quase tão expectador quanto nós.
O Livro de Cabeceira (The Pillow Book/França-Reino Unido/1996) de Peter Greenaway com Vivian Wu, Ewan McGregor, Ken Ogata, Yoshi Oida. ☻☻☻
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