Challal e Lindon: meio pai e filho.
A Criança da Meia-Noite é o tipo de filme que exemplifica bem o olhar diferenciado que o cinema francês tem sobre seus personagens. Fosse feito em Hollywood, seus personagens provavelmente protagonizariam um melodrama sobre um garoto de 14 anos que não pode ser exposto aos raios UV. Ele seria um coitado vitimizado e o médio que cuida dele seria quase santificado em sua obstinação em ajudar o garoto a lidar com isso. Como se trata de um filme francês, a doença genética do menino serve de pano de fundo para contar sua intensa relação com o médico que o trata desde bebê. Um relacionamento que não é muito fácil, já que a o rapazinho vive o conflito de lidar com a constante ameaça dos tumores que seu corpo produz ao mesmo tempo em que seus hormônios estão em crescente ebulição. Esse sentimento contraditório que nasce da curta expectativa de vida e os planos para o futuro fazem com que o jovem Romain (Quentin Challal) seja um tanto rude com as pessoas que estão ao seu redor. Curiosamente, seu médico, David (Vincent Lindon) também não prima pela simpatia - especialmente quando convidado para trabalhar na OMS e terá de conviver com uma substituta (Emmanuele Devos) mais jovem e inexperiente no trabalho com crianças com doenças semelhantes à de Romain. O filme da cineasta francesa Delphine Gleize pode causar estranhamento por sua opção de explorar os drama pessoais de seu personagem ao invés de aprofundar o caráter científico da trama, mas ainda assim, promete manter o interesse pela forma com que escancara a relação paternal existente entre David e Romain. Momentos em que conversam timidamente sobre sexo ou fazer a barba fazem a diferença na trajetória de um garoto abandonado pelo pai assim que este descobriu a rara anomalia de seu herdeiro. Pena que este conforto encontrado em David está com os dias contados, já que ele recebeu uma proposta de trabalho irrecusável. Gleize compensa com grande sensibilidade alguns tropeços de sua narrativa, mesmo sabendo conduzir as emoções de seus personagens quando elas não se mostram muito admiráveis há situações que poderiam ser melhor aproveitadas. Dentro dessa proposta, Vincent Lindon tem um momento notável como o médico envolvido emocionalmente com o paciente enquanto tem episódios de pura arrogância com a mulher que deverá substituí-lo na árdua tarefa. O pequeno Challal pode não ser brilhante, mas dá conta das emoções de seu personagem em momentos sensíveis como a cena em que se expõe a luz solar num misto de suicídio e destemor. É nesta necessidade de assumir riscos que Gleizer constrói seus heróis de carne e osso. Ah, claro, se fosse em Hollywood a esposa de David seria uma megera e ele acabaria tendo um caso com a substituta (ainda bem que trata-se de um filme francês).
A Criança da Meia-Noite (La permission de Minuit/França-2011) de Delphine Gleize com Vincent Lindon, Quentin Challal, Emmanuele Devos e Caroline Proust. ☻☻☻
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