Oliver, Jim, Lesley e Ruth: pessoas de verdade em ótimo roteiro.
Lembro que o primeiro filme que vi do diretor inglês Mike Leigh foi Segredos e Mentiras (1996) pelo qual ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes ao contar (com toques de drama e comédia) a história de uma mulher que se descobre mãe de uma negra. Parece que em seu último filme, Um Ano A Mais (2010) quer demonstrar que ele ainda consegue fazer uma mistura azeitada entre esses dois gêneros. Se no filme de 1996 ele contava com uma atuação memorável de Brenda Blethyn, em seu trabalho mais recente ele conta com uma atuação assustadora de Lesley Manville que, inexplicavelmente, ficou de fora da corrida pelo Oscar 2011 (onde o filme concorreu ao prêmio de roteiro original). A atriz rouba a cena na galeria de personagens de carne e osso que o diretor nos apresenta em sua mais de duas horas de duração. O filme é narrado pelas estações do ano e quando vemos a trama começar na primavera fazemos ideia que o inverno reservara alguma amargura (afinal, essa parece uma lei natural para quem adota as estações como recurso narrativo). A trama acompanha o casal Tom (Jim Broadbent) e Geri (Ruth Sheen), ele ganha a vida "cavando buracos", ela é terapeuta. Talvez por isso os amigos que chegam até o lar do casal pareçam ir para uma terapia, contando suas preocupações e tristezas. É assim com o amigo beberrão Ken (Peter Wight), com o irmão de Tom, Ronnie (David Bradley) e, especialmente, com Mary (Lesley Manville). Quem estiver procurando uma trama mirabolante irá se decepcionar, mas quem procura o cuidado habitual de Leigh em lapidar seus personagens irá se satisfazer com um trabalho minucioso do roteiro. Fique atento aos diálogos bem humorados (muitas vezes tive a impressão que Leigh se inspirou nos melhores filmes de Woody Allen para escrevê-los) e principalmente à complexa construção de Mary. Sua primeira cena é um total contraste com a última cena em que aparece. Se no início ela aparenta certo desdém às escolhas da amiga Geri, até o fim ela irá demonstrar que lá no fundo de sua personalidade ela gostaria de ter a vida da amiga. Nessa construção, Manville (que já apareceu em vários filmes de Leigh) está impecável. Os trejeitos exagerados, a fala acelerada, as roupas espalhafatosas tudo está ali para esconder o que os olhos de Mary evidenciam desde a primeira cena. Se o corpo de Manville expressa tudo que a personagem gostaria de ser, são seus olhos que revelam a alma daquela mulher que mostra-se cada vez mais perdida e que não tem muita noção de como conduzir a vida - ela chega a depositar todas as suas esperanças na compra de um carro e logo depois numa investida desastrosa com o filho da amiga, Ken (Oliver Maltman) - que é algumas décadas mais jovem e com interesses amorosos por outra pessoa. Outro aspecto elogiável do roteiro é a forma como apresenta os personagens de forma satisfatória e econômica, de forma que somos capazes de nos comover com seus dramas nos poucos minutos em que aparecem na tela. Sentimos essa identificação desde a primeira cena onde a personagem de Imelda Staunton é incapaz de explicar quando começou sua tristeza (o que, ao final da sessão, parece ser a proposta do filme). O trabalho milimetricamente calculado com os personagens pode passar desapercebido aos menos atentos, ainda mais que o diretor opta por uma narrativa tão natural que nem parece existir uma câmera filmando. Explorando como o cotidiano constrói as pessoas, Mike Leigh conseguiu outro trabalho que merece ser conferido.
Um Ano a Mais (Another Year/Reino Unido-2010) de Mike Leigh com Jim Broadbent, Ruth Sheen, Lesley Manville, Oliver Maltman, Peter Wight e David Bradley. ☻☻☻☻
Um Ano a Mais (Another Year/Reino Unido-2010) de Mike Leigh com Jim Broadbent, Ruth Sheen, Lesley Manville, Oliver Maltman, Peter Wight e David Bradley. ☻☻☻☻
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