Cox e Dano: amigos opostos e complementares.
De início, o diretor e roteirista Dagur Kári parece ter em mãos um ponto de partida pouco promissor para uma comédia: o encontro de um velho moribundo com um jovem suicida. Esse é o início do simpático O Bom Coração, que mostra que esses personagens são tão diferentes quanto complementares. Já de início, o mal humorado Jacques (Brian Cox) se irrita com uma fita de relaxamento que embola em seu toca-fitas. Ele acaba tendo um infarto. Ao que parece, ele já é famoso no hospital pelas inúmeras vezes em que esteve internado. Como não costuma ser muito simpático, ele funciona quase como um repelente de pessoas. Sobra então para o seu parceiro de leito, o jovem sem teto Lucas (Paul Dano). Lucas é tão gentil e dócil que sua tentativa fracassada de suicídio serve apenas para ressaltar seu tom trágico. O rapaz é tão gente boa que após receber doações dos funcionários do hospital para recomeçar sua vida, ele acaba perdendo os tostões arrecadados distribuindo paro os outros sem teto da vizinhança (tendo que voltar para sua casa de papelão e ver que perdeu sua única companhia, um gato filhote). Ao descobrir que Lucas recebeu alta, Jacques vai atrás dele, com a intenção de formar uma espécie de herdeiro para seu bar soturno: Casa das Ostras (mesmo tendo deixado de servir ostras há muito tempo). Lucas irá perceber que a caridade na visão de um senhor tão sisudo tem seu preço (e lições carregadas de uma visão distorcida do mundo). Kári consegue fazer um filme extremamente simpático, mesmo com a difícil tarefa de flertar o tempo todo com o drama da relação entre esses dois personagens que se aproximam e repelem até o final - ainda que com o acréscimo mal desenvolvido da personagem April (vivida por Isild Le Besco), uma comissária de bordo fracassada por ter medo de voar (?!). Há quem considere que o filme exagera na caricatura, seja extremamente tolo em sua história e até ridículo em sua proposta de procurar o humanismo da dupla principal, no entanto, eu não acho nada disso. O Bom Coração é um filme estranhamente circular -apesar dos desvios que parece tomar pelo caminho. Chegando ao desfecho, percebe-se que ele estava o tempo todo ali à espreita dos personagens. Além desse mérito (que os mais xiitas chamarão de "previsível"), o filme consegue criar um universo bastante particular naquele bar de pouca luz onde sempre se atende as mesmas pessoas e um pato espera o dia de ir para a panela. Dagur Kári constrói um mundo de regras próprias, onde um cão pode entrar no hospital usando propés (o que só poderia vir de uma Nova York filmada na Islândia, aterra do cineasta). O mais interessante é que com toda a aspereza de Jacques e todo o tom escuro (quase sem cor da fotografia), Paul Dano parece preencher o longa com um dos personagens mais bondosos (e por isso mesmo difícil) que vi no cinema recente. O Bom Coração soa tão ingênuo como a mais improvável das amizades e por isso mesmo, é uma ousadia.
O Bom Coração (The Good Heart/EUA-Dinamarca-França-Alemanha/2010) de Dagur Kári com Brian Cox, Paul Dano, Isild Le Besco, Nicolas Bro, Damian Young e Stephanie Szostak. ☻☻☻
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