Ford e Roseman: quando o preconceito entra em campo.
Enquanto vivemos o clima da Copa do Mundo, fica ainda mais interessante perceber como entram em campo - junto com as diversas seleções - nossas impressões sobre cada uma delas (incluindo a brasileira). Eu posso estar delirando, com o cérebro ainda cozido pelos gritos de familiares, amigos e vizinhos, mas é visível como um bocado de nossa história aparece em jogo (em seus aspectos bons e ruins) mesmo que estejamos diante de só (?!) uma partida esportiva. Se o Brasil é apaixonado pelo futebol, não é novidade que os EUA tem o beisebol como seu esporte preferido, da mesma forma, de vez em quando, os preconceitos usam o campo desse esporte para falar sobre História. Isso aparece no superestimado O Homem que Mudou o Jogo (2011) com todo seu discurso bem intencionado de gerenciamento de Recursos Humanos, mas também serve de matéria-prima para o subestimado Uma Equipe Muito Especial (1992) onde um time de mulheres tem a chance de jogar enquanto os homens estão servindo na Segunda Guerra Mundial (1992). Ano passado Brian Helgeland (roteirista premiado de Los Angeles: Cidade Proibida/1997) resolveu contar uma história que acontece quase na mesma época que as mulheres defendiam seus times. 42 conta a história real de Jackie Robinson, o primeiro negro a jogar na Liga Nacional de Beisebol americana. A introdução do filme é contundente ao resumir que durante a guerra os negros americanos foram bastante úteis no campo de batalha, mas quando voltaram para o seu lar, descobriram que o racismo de sua terra natal permanecia intacto - ao ponto de um jogador negro funcionar como uma afronta aos jogadores (e torcedores) brancos da Liga. Robinson é vivido com competência por Chadwick Roseman, que convence na pele de um sujeito comum que precisa lidar com um mundo onde não pode reagir às provocações, já que revidar poderia lhe custar a carreira. A ideia de Jackie quebrar as barreiras raciais do esporte saiu da mente de um dos organizadores da liga: Branch Rickey (Harrison Ford, quase irreconhecível e no melhor papel de sua carreira nas últimas décadas), um visionário que percebia que o mundo estava mudando e precisava de um empurrãozinho para ajudar (apesar de seus detratores provocarem dizendo que Jackie estava ali somente para levar a população negra aos estádios). O filme é bastante feliz ao explorar as dificuldades de Robinson em um universo hostil, onde nem mesmo os seus colegas de time estavam confortáveis com a sua presença - seja em campo, viagens, hospedagens e vestiários. São inúmeras as provocações que ele precisa aguentar (que ilustram aquela estranha sensação de que a vítima do preconceito se torna culpada por ser agredida pelo simples motivo de existir)! Por boa parte da sessão, Robinson tem poucos aliados - além de Robinson, conta com a esposa Rachel (Nicole Beharie) e o seu assessor de imprensa, Wendell Smith (Andre Holland) que - por ser negro não tinha permissão para ficar na sala de imprensa. De espaços segregativos, passando por abaixo-assinados, hotéis racistas e insultos variados, o filme consegue ser bastante eficiente, especialmente pela mudança que Robinson provoca na postura de seu time, o Brooklyn Dodgers, que demora demais para enxergá-lo como um membro da equipe - nesse aspecto a presença de coadjuvantes como Lucas Black (como Pee Wee Reese) e Hamish Linklater (como Ralph Branca) cumpre seu papel sem complicações. 42 é um filme edificante, feito naquela linguagem clássica que Hollywood ainda curte e fala de um mundo que mostra sinais de sobrevivência quando jogam uma banana para um jogador por ele ser negro. É estranho imaginar que uma história ambientada em 1946 ainda possa ser tão atual, por isso mesmo, o filme pode não ser inovador, mas conta uma história que merece ser conhecida.
42 - A História de Uma Lenda (42 - EUA/2013) de Brian Helgeland com Chadwick Roseman, Harrison Ford, Nicole Beharie, Christopher Meloni, Lucas Black, Hamish Linklater, Andre Holland, Alan Tudyk, T.R. Knight e Ryan Merriman. ☻☻☻
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