Hogg: comediante em situação dramática.
Considero interessante que quando o cinema aborda a vida pessoal de um comediante costuma inseri-lo em situações bastante dramáticas. Claro que se trata de um paradoxo irresistível de ser explorado - tanto que Martin Scorsese já fez isso (magistralmente em O Rei da Comédia/1983), Milos Forman também (em O Mundo de Andy/1999) e até Judd Apatow (no desengonçado Tá Rindo do Quê?/2008) - e que o diretor estreante Tom Shkolnik utiliza sem frescuras nesse O Comediante. Shkolnik utiliza muito dos preceitos do movimento Dogma 95, como uso de câmera na mão, trilha sonora ambiente, veto à luz artificial... essa embalagem consegue dar um tom realista aos dilemas de Ed (o competente Edwartd Hogg). Ed trabalha numa central de atendimento telefônico durante o dia e à noite sobe ao palco de um pub para apresentar números de stand up. Ao contrário do tom sarcástico de suas piadas, o personagem é bastante passivo no seu cotidiano. Tão passivo que divide há anos um apartamento com Elisa (Elisa Lasowki), uma amiga apaixonada por ele mas que nunca é devidamente correspondida. Um dia, após uma apresentação, ele é abordado por Nathan (Nathan Stewart-Jarret) que tenta consolá-lo da reação fria da plateia. Conversa vai, conversa vem, Ed passa a noite com Nathan e um relacionamento sério começa a se formar. No entanto, conforme os mundos de ambos se misturam algumas coisas se complicam. Nathan não gosta de falar sobre as marcas de seu passado (e elas são muitas, inclusive em sua pele), mas não precisa ser muito esperto para perceber que ele fica pouco confortável em saber que seu namorado vive com uma bela mulher apaixonada - e esse desconforto também começa a ser mais perceptível em Elisa com o passar do tempo. Ed também está incomodado - tanto que seus trabalhos começam a ser prejudicados - mas dos três personagens desse triângulo amoroso ele é o único que não sabe qual atitude tomar. O roteiro de Shkolnik não tem firulas, enxuto em seus oitenta minutos, cada cena tem sua razão de ser e a maioria dos diálogos são diretos e cheios de carga emocional que ultrapassam as questões sexuais do personagem. O tom melancólico corresponde ao estado de espírito de seu protagonista, que aos poucos mostra-se cada vez mais mergulhado em seu abismo pessoal, entre decisões que não consegue tomar e uma identidade que ainda construiu. Teria preconceitos ou, simplesmente, inércia? Nesse sentido, a espetacular cena do ônibus (onde Nathan é massacrado por todos os preconceitos cuspidos por uma passageira e Ed não expressa qualquer reação) vale como um grande empurrão, mas que Ed reage em ponto morto. Vendo suas possibilidades escorrerem pelos dedos, o diretor nem se dá ao trabalho de lhe dar um final, deixando o personagem no meio do caminho (literalmente). Resta ao espectador pensar se ele procura Elisa, voltaria para Nathan ou apenas irá para o palco contar uma triste piada sobre si mesmo. Edward Hogg bem que merecia alguma atenção nas premiações por sua atuação intimista apresentada aqui, em alguns momentos tive a impressão que ele iria explodir. Ainda pouco conhecido, o ator já apareceu em Anônimo/2012 e estará em O Destino de Júpiter/2015.
O Comediante (The Comedian/Reino Unido-2012) de Tom Shkolnik com Edward Hogg, Nathan Stewart-Jarret, Elisa Lasowski e Jamie Baughan.☻☻☻
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