Anna: perdida num labirinto de esquecimentos.
A britânica Charlotte Rampling é uma de minhas atrizes veteranas favoritas. Embora Hollywood enxergue nela uma coadjuvante luxo para produções tão díspares como A Duquesa (2008) e Instinto Selvagem 2 (2006), é no cinema europeu que a atriz encontra seus melhores papéis. Sempre com seu olhar único e com a sutil maneira de interpretar, as atuações de Rampling servem para elevar a qualidade de qualquer produção. No suspense dramático Eu, Anna a atriz dá conta de mais uma personagem complexa em seu currículo. Anna é uma senhora solitária, que começa a frequentar casas de encontro para mulheres e homens maduros. A rotina controlada de Anna começa a desmoronar quando seu destino cruza com um assassinato. O detetive Bernie Reed (Gabriel Byrne, que anda sumido das telonas) é o responsável pela investigação da morte do rico George Stone (Ralph Brown), que foi encontrado morto no próprio apartamento após ser visto com uma mulher, que Reed acredita ser Anna. Embora existam suspeitas do envolvimento de Stone com traficantes, o detetive persegue a verdade em torno da misteriosa mulher e acaba absorvido pelo universo particular de uma personagem instigante. Anna parece não lembrar muito bem o que aconteceu naquela noite, mas é através dos fragmentos de sua memória que começamos a entender o que houve. O longa metragem de estreia de Barnaby Southcombe (filho de Charlotte) flerta a todo instante com a atmosfera dos filmes noir, dando à Anna uma aura de femme fatale, mesmo que ela corresponda ao total oposto do estereótipo desse tipo de personagem. Vivenciando as mudanças físicas e psicológicas provocadas pelo passar do tempo, a personagem ainda tem um passado obscuro que aos poucos se revela na convivência com a filha Emmy (Hayley Atwell) e a neta. Trata-se de um filme atmosférico, que se alimenta da capacidade descomunal de sua atriz principal se perder nos sentimentos de uma personagem e lhe dar uma credibilidade perante ao público, mesmo quando sua percepção da realidade mostra-se cada vez mais turva. Há de se destacar a química irresistível de Charlotte com Byrne, que consegue dar cores mais quentes à fotografia azulada que emoldura a solidão de seus personagens. As cenas onde os dois personagens tentam estabelecer uma relação mais íntima conseguem ser bastante reveladoras e humanas, oferecendo ao filme um diferencial bem interessante ao abordar personagens maduros. Vendo o filme não pude deixar de percebê-lo como uma versão hardcore do chileno Gloria (2013) com toques de Dolores Claiborne (1995) de Stephen King. Apesar de abandonar personagens importantes durante sua narrativa, Eu, Anna desenvolve-se de forma quase hipnótica e termina quando as dores da personagem são reveladas para Charlotte Rampling despedaçar seu coração diante da câmera.
Eu, Anna (I, Anna/ Reino Unido - 2012) de Barnaby Southcombe com Charlotte Rampling, Gabriel Byrne, Hayley Atwell, Eddie Marsan e Max Deacon. ☻☻☻☻
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