Ziggy: devorando Bowie e a alma dos fãs. |
David Bowie já era conhecido por sua androginia quando criou Ziggy Stardust em 1972. Foi o personagem que o inspirou na criação de um dos seus melhores trabalhos: The Rise and Fall of Ziggy Stardust (1972). Bowie encanava Ziggy nos shows e nas letras, narrando as aventuras de um roqueiro interláctico de sexualidade híbrida, guitarras estridentes e letras temperadas com elementos de ficção científica. Foi na pele de Ziggy que o cantor construiu um verdadeiro culto em torno de sua carreira. Com os cabelos tingidos de vermelho, maquiagem carregada e figurinos extravagantes, Bowie tornou-se um ícone do glam rock - nascido da mistura do hard rock com sons experimentais. A sonoridade do cantor já sofria fortes influências de seus contatos com Iggy Pop e Lou Reed, com isso, canções como "Starman" e "All The Young Dudes" se fixavam entre os sucessos da temporada - enquanto o cantor mostrava-se mais confortável na pele de sua criação do que dele mesmo. O documentarista P.A. Pennebaker tenta captar toda a energia dessa época com o registro do último show do astro na pele de sua criatura. Pennebaker utiliza poucas cenas de bastidores para isso, mostrando apenas o preparo do artista antes de entrar no palco, uma conversa rápida com sua esposa na época, Angela Bowie (que parece mais alegre do que a imagem que eu tinha dela) e troca constante de figurino. Pennebaker concentra-se essencialmente no palco, são nesses momentos que Bowie se torna magnético, com movimentos lascivos, caras e bocas diante de uma plateia hipnotizada. O show é bem cuidado na parte técnica, a iluminação é cuidadosa e o encadeamento das músicas mostra-se fundamental para a história que Ziggy quer contar, alterna momentos enérgicos e outros sombrios (como a apresentação da música My Death, um cover da canção de Jacques Brel) provocando uma espécie de transe coletivo. A câmera está sempre atenta às reações do público e apresenta momentos curiosos, ao mesmo tempo, cria closes inesperados do que acontece sobre o palco (como um close nas costas ou na coxa de Bowie). É impossível não acompanhar o delírio da plateia ao som das distorções de Moonage Daydream e da obrigatória Space Oditty (cujo trabalho de iluminação do palco torna-se primoroso), além do famigerado anúncio de Ziggy de que aquele era o último show que eles fariam. Além do total domínio de palco de David Bowie, merece destaque o espetacular guitarrista Rick Monson, parceiro do cantor em suas sandices com vários solos generosos de seu instrumento. Muitos acreditaram que Bowie estava se aposentando naquela noite, mas na verdade, ele estava se despedindo do personagem que o consagrou (esse episódio pode ser visto no filme Velvet Goldmine/1998). Reconhecido em suas qualidades hoje, o filme ficou dez anos aguardando o lançamento. Registrado em 1973, no último show da exaustiva turnê de Ziggy, foi lançado somente em 1983 após ficar restrito a festivais. Foram apontados várias causas: um deles era Bowie ter abandonado o personagem, outro problema é que consideraram a fotografia escura e granulada demais. De nada adiantou Pennebaker argumentar que seu registro tinha como objetivo ser mais experimental, quase surreal diante do que acontecia no palco. Com o lançamento do filme, foi lançado um CD com a apresentação do show. Assistindo ao filme, mesmo quem não curte o trabalho de Bowie, deve concordar que trata-se de um showman impressionante, ainda mais num momento histórico que sepultou o maior ícone do glam. Mesmo com a decadência do gênero, o legado do roqueiro permanece até hoje na influência de bandas como Placebo, Goldfrapp, Pulp e Suede.
Ziggy Stardust and The Spiders From Mars (Reino Unido/1973) de P.A. Pennebaker com David Bowie, Mick Ronson e Trevor Bolder. ☻☻☻☻
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