McConnaghey: quanto vale vinte e dois quilos a memos?
Clube de Compras Dallas foi a grande surpresa no Oscar desse ano, não por conta dos prêmios de melhor ator (Matthew McCounaghey) e ator coadjuvante (Jared Leto) que já eram considerados verdadeiras barbadas, mas por ganhar ainda o prêmio de Melhor Maquiagem, uma indicação na categoria principal de Melhor Filme e outra na categoria montagem (realizada pelo próprio diretor, Jean Marc Vallée e o parceiro Martin Pensa), nada mal para um filme de baixo orçamento (suados cinco milhões e quinhentos mil dólares) e produção atribulada desde que começaram as filmagens. É duro fazer um filme independente com um tema espinhoso ambientado nos anos iniciais da AIDS, mas existe algo de fabuloso em ver esse filme ganhar os holofotes. Clube de Compras Dallas começa bem ao centrar sua câmera em Ron Woodroof (McCounaghey), personagem real, cowboy de rodeios e promíscuo que leva um susto quando descobre que a AIDS não é uma doença apenas de homossexuais. Não podemos esquecer que em 1985, a doença ainda era conhecida como Peste Gay ou Câncer Gay, antes de começar a ser associada a prostitutas e usuários de drogas injetáveis. Em Dallas, Ron vive num mundo que ainda tentava aprender sobre a doença, com muitos tropeços e quase nenhum acerto. Ron é um personagem interessantíssimo, sua postura pouco nobre (e homofóbica) já deixa claro que trata-se de um anti-herói - o que nos faz sentir aliviados por não ser um filme edificante ou melodramático (como The Normal Heart da HBO), pelo contrário, é deliciosamente cru, com sua fotografia granulada e escura em diversas cenas. Vallée confere ao seu protagonista uma jornada angustiante rumo à morte inevitável que se aproxima cada vez mais - e nessa tarefa o talento redivivo de McConnaghey cai como uma luva após anos adormecido em comédias românticas. É preciso reconhecer que para um sujeito famoso pelo físico atlético, é preciso despir-se de toda a vaidade para emagrecer vinte e dois quilos para encarnar as marcas físicas da doença, mas ainda assim, sua atuação transborda energia. Ainda que seu aspecto físico seja frágil, em vários momentos, Ron parece uma rocha difícil de derrubar. O que faz o personagem ser tão forte é o seu envolvimento com a compra ilegal de remédios utilizados para tratar a doença. Ele começa subornando um funcionário do hospital para conseguir doses de AZT quando o medicamento ainda estava em fase de testes, mas quando a coisa complica - e seu organismo fica mais debilitado - ele procura drogas alternativas capazes de fazer com que seu organismo possa conviver com os efeitos do HIV. No contato com esses remédios, ele cria o clube do título, que cobra quatrocentos dólares aos seus sócios soropositivos para que tenham acesso aos remédios contrabandeados por ele mesmo para solo americano. Nessa empreitada ele conta com a ajuda de Rayon (Jared Leto), uma transexual luminosa, que como ele, sofre com os efeitos da doença e procura outros refúgios para seu estado de espírito. Existe uma química irresistível entre os dois personagens, se McConaghey tempera Ron com alguma grosseria, Jared injeta um certo glamour decadente à Rayon que confere um equilíbrio quase cômico em vários momentos. Com uma dupla de personagens tão interessantes metidos em contravenção, sobra pouco espaço para a doutora certinha Eve (Jennifer Garner) que tenta lidar com alguns dos primeiros pacientes a utilizar o AZT. Em sua primeira parte, quando se concentra nas desventuras de Rayon e Ron o filme funciona que é uma beleza, quando começa a deixar a dupla em segundo plano para condenar a indústria de medicamentos a coisa começa a ficar cansativa em seu discurso ingenuamente panfletário. No entanto, mesmo perdendo ritmo em sua metade final, Clube de Compras Dallas surpreende ao lidar com sinceridade perante um assunto pouco abordado no cinema atual.
Jared: debaixo dessa maquiagem bate um coração.
Clube de Compras Dallas (Dallas Buyer's Club/EUA-2013) de Jean Marc Vallée com Matthew McCounaghey ☻☻☻
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