Jesse e Jesse: personalidade bifurcada.
É sempre interessante quando os deuses do cinema reservam a estreia de dois filmes semelhantes no mesmo ano (só em 1998 ocorreu dois embates do ramo, no confronto entre as animações FormiguinhaZ e Vida de Inseto e os blockbusters Armageddon e Impacto Profundo), no entanto, em 2013 o confronto dos filmes gêmeos bivitelinos (de estúdios diferentes) ganhou proporções ainda mais interessantes, afinal, os dois eram inspirados em obras de dois dos maiores nomes da literatura mundial. Para aumentar ainda mais o grau de irornia do destino: ambos falam sobre dois personagens idênticos que afetam a vida um do outro. O canadense Dennis Villeneuve embarcou na obra do português José Saramago (1922-2010) para fazer O Homem Duplicado (2013) e ter seu longa entre os mais enigmáticos do ano. Já o inglês Richard Ayoade mergulhou na obra do russo Fiodor Dostoiévski (1821-1881) e se contentou em fazer um filme estilosamente estranho. Ayoade estreou na direção com a pérola Submarino (2010) e aqui muda completamente de tom para contar as desventuras do correto Simon James (Jesse Eisenberg), que é tão discreto que mal é notado na agência do governo em que trabalha há sete anos. Quando Simon conhece Hannah (Mia Wasikowska) ele precisa chamar a atenção dela, mas não sabe como. É nesse momento que seu interesse amoroso é ameaçado pelo novo funcionário da empresa, James Simon (o mesmo Eisenberg) que é sua imagem e semelhança - pelo menos até que o protagonista descubra que trata-se de um espertalhão. Se num primeiro momento Simon é todo desconfiança com o seu sósia, aos poucos ele acredita que James pode ajudá-lo a tornar-se mais popular e reconhecido. A parceria poderia até dar certo se Simon não percebesse que o reconhecimento do sósia será a sua ruína. Ayoade opta por uma direção de arte que brinca com o jogo cênico de sombras e tom amarelado - que remete diretamente ao tedioso cotidiano de James -, para contrabalançar usa vários recursos narrativos para prender a atenção da plateia (locações espertinhas, movimentos rápidos de câmera, edição moderninha, trilha japonesa...) numa narrativa que começa a cansar antes de sua metade. A história de Dostoiévski sobre o que somos enquanto sufocamos o lado mais obscuro de nossa personalidade, continua funcionando maravilhosamente bem, mas a transição para a telona mostra-se complicada para o ambicioso cineasta. Ayoade acerta na transposição labiríntica e claustrofóbica da história, mas tropeça em alguns detalhes, entre eles a escolha do elenco. Jesse Eisenberg (que desde a celebrada atuação em A Rede Social/2010 ainda não me convenceu como o jovem ator genial que diziam ser) faz o que pode, seu Simon é um sujeito contido como vários de seus outros personagens enquanto James é todo elétrico em seus movimentos traiçoeiros... às vezes funciona... às vezes fica claro que Jesse não tem versatilidade (ou humor) para alcançar as notas mais altas exigidas pela história. Sua colega de cena, Mia Wasikowska padece do mesmo mal, existindo uma química insossa entre os dois. No fim das contas fica na memória dos malabarismos do diretor para imprimir um olhar moderninho sobre a história, que resulta numa mistura um tanto confusa de entre drama, suspense, ficção científica e comédia de humor negro. Faltou foco a esse outro lado do promissor Richard Ayoade.
O Duplo (The Double/Reino Unido-2013) de Richard Ayoade com Jesse Eisenberg, Mia Wasikowska, Wallace Shawn, Cathy Moriarty, Yasmin Paige, Craig Roberts e Noah Taylor. ☻☻
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