sexta-feira, 10 de abril de 2015

Na Tela: A Gangue

O novato carregado por seus amigos: sem palavras. 

O longa ucraniano A Gangue deverá ficar restrito aos festivais, portanto, se você souber que ele está passando em alguma mostra perto de você, é bom assistir sem pensar duas vezes se quiser vivenciar uma experiência única na sala de cinema. Exibido no Festival de Cinema em São Paulo, acabei me deparando com o filme por acaso, numa pequena mostra sobre personagens portadores de deficiência - e o longa metragem de Myroslav Slaboshptskiy foi o mais polêmico de todos. Ganhador de três prêmios em Cannes no ano passado, o filme parte de uma proposta única: protagonizado por jovens surdos, ele é todo falado em linguagem de sinais - mas sem legendas para traduzí-los (ironicamente, a única legenda existe para deixar isso bem claro a espectador). No entanto, as polêmicas acerca do filme surgiram da violência e das cenas de sexo protagonizadas por seus personagens, o resultado é um filme longo e sombrio, mas que resulta bastante intenso em suas intenções. A história relata a chegada de um aluno novo à uma escola de surdos (Grigoriy Fesenko), que na instituição conhece um grupo de alunos que ditam as regras por ali, numa espécie de poder paralelo dentro daquele universo - afinal, praticamente não existe funcionários na escola, são pouquíssimas as cenas em que aparecem professores ou funcionários da escola, na maior parte do tempo os adolescentes estão sós em cena, por outro lado, todo aquele silêncio também pode camuflar a violência abrigada ali dentro, criando uma ilusão de paz harmônica na escola (e a devastadora cena final parece nutrir-se disso).  Deixando a parte pedagógica de lado, o aluno novato irá conhecer aos poucos o rito de iniciação na gangue, o envolvimento dos alunos com prostituição, encontrará o amor e receberá o desprezo de seus colegas quando meter os pés pelas mãos. Denso, sombrio e sufocante, o filme tem um belo trabalho de fotografia, edição e movimentos de câmera, além de captar os sons de raiva, dor e prazer dos personagens e a expressividade física de todos eles (de forma que podemos não entender os sinais, mas compreendemos plenamente suas emoções). Ao final de sua exibição já é comum perceber que as opiniões da plateia são extremas, uns amam e outros odeiam. Há quem perceba no filme paralelos com a violência de Laranja Mecânica (1971) de Stanley Kubrick ou na melancolia juvenil de Elefante (2003) de Gus Van Sant, mas eu sinto que a influência mais forte do filme é o estilo do austríaco Michael Haneke, percebi em seu tom a rigidez, a lentidão, os longos planos e personagens perdidos em seus desejos silenciados. A gangue não é um filme agradável de se ver, mas em sua ausência de palavras faladas, ele consegue universalizar sua história, que pode acontecer em qualquer lugar do mundo. Original em seu conceito de romper paradigmas na linguagem cinematográfica, Myroslav não demonstra nenhuma preocupação em agradar o espectador - e eles retribuem isso à altura -, no entanto, poderia ter deixado menos evidente a sua intenção de chocar o público.

A Gangue (Plymia/Ucrânia - Holanda / 2014) de Myroslav Slaboshptskiy com Grigoriy Fesenko, Yana Novikova, Rosa Babiy, Ivan Tishko. ☻☻☻

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