Dick e seus amigos no paraíso: entre o real e o delírio. |
Aparecendo em algumas listas de melhores filmes do ano (e em breve divulgarei a minha também) está o documentário As Mortes de Dick Johnson em cartaz na Netflix. O filme foi exibido no Festival de Sundance e chamou atenção pela forma curiosa encontrada pela cineasta Kirsten Johnson para lidar com a fantasmagórica sensação de que seu pai morreria algum dia. É verdade que a morte é a única certeza de todos nós, mas de fato não é algo que pensamos com muito carinho ou ansiosos para que ela chegue. Kirsten deixa bem claro desde o início que não imagina como a vida seria sem a companhia do seu pai e resolveu fazer uma espécie de terapia cinematográfica para lidar com isso. O resultado é um filme que fala sobre vida e morte de uma forma terna, bem humorada e bastante sensível, de forma que o que poderia ser uma proposta de extremo mal gosto, se revela uma obra pessoal e emocionante graças ao seu tom espirituoso e outras curiosidades que aparecem pelo caminho. No início somos apresentados a Richard C. Johnson, um psiquiatra que com o passar do tempo percebeu que sua vida não é mais a mesma. Diagnosticado com Alzheimer a filha decidiu leva-lo para morar com ela em Nova York e diante do acompanhamento diário da deterioração mental de seu pai, ela resolveu documentar uma espécie de despedida diante do inevitável. Longe de ser sombrio ou humilhante, o filme é bastante sensível ao construir uma narrativa multifacetada com memórias da cineasta, cenas do cotidiano daquela família e... simulações da morte do simpático Dick. Ele tropeça em escadas, se acidenta em uma obra ou é atingido por um ar-condicionado para posteriormente ser visto no paraíso reencontrando a esposa ou tomando chocolate ao lado de Frida Kahlo e Freud (vividos por pessoas com rostos de papel). Depois descobrimos como estas cenas são construídas pela cineasta e sua equipe (com destaque para o trabalho de dublês e o trabalho de edição), alcançando um resultado que parece um verdadeiro presente de despedida para o pai que curte aquele processo criativo e em certo momento admite que sempre quis ser ator. As Mortes de Dick Johnson revela sua alma ao demonstrar que é mais do que uma farsa ou uma reflexão diante da morte, mas uma espécie de enganação ao destino perante a ressurreição de seu protagonista, mas também pelo registro deste homem comum que se torna fascinante pelas lentes de sua filha que o eterniza em uma tela. É mais do que um filme sobre a morte, é um filme sobre o amor.
As Mortes de Dick Johnson (Dick Johnson is Dead / EUA - 2020) de Kirsten Johnson com Jack C. Johnson, Kirsten Johnson, Michael Hilow e Ana Hoffman. ☻☻☻☻
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