Irène: Weronika ou Véronique?
Filmes sobre personagens e seus duplos são um tanto recorrentes no cinema e quase sempre possuem resultados interessantes. A ideia em si já é cercada de mistério e pode render filmes enigmáticos (O Homem Duplicado/2013) e tramas rasgadas de terror (Nós/2019), quando o polonês Krzystof Kieslowski resolveu mergulhar nesta ideia em 1991 a sua ideia era bem mais simples do que qualquer impressão que venha em nossa mente. Ele não quis construir uma trama de mistério ou de horror, preferiu seguir seu estilo contemplativo ao contar a história de duas mulheres descobrem quase que por acaso que existe uma sósia vivendo em outro lugar. Partindo do pensamento de que a ideia em si já é instigante o suficiente, o roteiro de constrói quase que por força própria, de forma um tanto aleatória e envolta de uma belíssima fotografia. A trama segue duas jovens idênticas vividas por Irène Jacob, uma delas é a polonesa Weronika, que muda-se para a casa da tia e é escolhida para cantar junto à uma orquestra sinfônica. Ao sair de um dos testes de música que realiza, ela vê Verónique dentro de um ônibus de turismo. Verónique é francesa e abandona suas aulas de canto em busca de novos caminhos para sua vida, enquanto Weronika começa a apresentar problemas cardiológicos. Além das semelhanças físicas entre as duas, os caminhos de suas vidas possuem pontos em comum além de uma estranha sensação de um vínculo místico entre elas. Krzystof Kieslowski sempre foge do óbvio na construção de seus filmes, fazendo com que o entorno das duas personagem valorize ainda mais a premissa que tem em mãos e não tendo temores de imprimir algo divino em suas histórias (basta lembrar seu elogiado trabalho na minissérie polonesa Decálogo em que criou um filme para casa um dos dez mandamentos). Seja por uma mulher que parece ter contato com as duas e não consegue esconder sua surpresa, o titereiro que constrói duas marionetes para a protagonista e explica o motivo para isso ou o escritor que poderia dar alguma explicação sobre o que vemos, mas na verdade apenas procura uma boa história para contar. Aos poucos o filme brinca com a expectativa do espectador de ter alguma explicação sobre as duas (e a figura do pai tem papel importante neste processo) e o cineasta se aproveita disso para prender nossa atenção. Deixando em aberto as possibilidades do filme, o diretor o enriquece ainda mais podendo ser interpretado de várias formas, até mesmo numa interpretação sobre vida, morte e recomeço. Por seu trabalho Irène Jacob foi considerada a melhor atriz do Festival de Cannes naquele ano, principalmente pela forma como consegue absorver as indagações da plateia e projetá-las diante da câmera. Irene pode ser considerada a grande musa do diretor, já que voltou a trabalhar com ele em outro grande sucesso de sua carreira, o magnífico A Fraternidade é Vermelha/1994 e poderia ter feito muitos outros se Krzystof houvesse filmado outro longa depois deste. Torna-se ainda mais curiosa a sintonia entre atriz e diretor o fato que a carreira de Irène seja mais lembrada por estes dois trabalhos do que qualquer outro que tenha realizado (ela só conseguiu algum destaque posteriormente na participação da série The Affair em 2017). A obra de Krzystof Kieslowski sempre vale a pena ser lembrada e para quem quer conhecer este e outros filmes do cineasta, existem vários títulos disponíveis no Teleciplay atualmente por conta do Festival 125 Anos de Cinema voltado para produções que fizeram história na sétima arte. Para os cinéfilos é um verdadeiro presente de fim de ano!
A Dupla Vida de Véronique (La Double Vie de Véronique / França - Polônia - Noruega / 1991) de Krzystof Kieslowski com Irène Jacob, Wladyslaw Kowalski, Halina Gryglaszewska, Sandrine Dumas, Jerzy Gudejko, Louis Decreux e Phillipe Volter. ☻☻☻
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