Bomer e Ruffalo: a ameaça da "peste gay" nos primeiros anos da AIDS.
Ryan Murphy é um diretor que ganhou fama na TV à frente de séries como Popularidade (1999/2001), Glee e American Horror Story. À frente de filmes ele ainda pena para ser reconhecido, embora tenha realizado um dos filmes mais bacanas sobre adolescência que eu já assisti (o subestimado Correndo com Tesouras/2006). Depois do fracasso ele resolveu ser mais convencional quando topou adaptar Comer Rezar Amar (2010) onde Julia Roberts tornou a história insossa em sucesso de bilheteria. Não deixa de ser interessante que o diretor volte a ousar como cineasta, mas dessa vez num telefilme feito para a HBO. The Normal Heart é baseado numa peça sobre o efeito dos primeiros anos da AIDS num grupo de amigos homossexuais. O sucesso de Clube de Compras Dallas (2013) é a prova de que vasculhar a história da doença é sempre bem vinda e Ryan faz o mesmo aqui. No entanto, é preciso lembrar o contexto da história que acontece após a revolução sexual da década de 1970, onde os gays viveram todas as emoções que podiam entre até o início da década de 1980, quando o HIV surgiu como um freio, primeiro para eles e depois para o resto da humanidade para uma vida marcada por múltiplos parceiros sexuais. Os minutos iniciais do filme são utilizados para apresentar esses anos dourados, antes que a misteriosa doença aparecesse para trazer à tona o moralismo, que uma sociedade pretensamente liberal ainda escondia. A começar pela pecha que a AIDS recebia de "câncer gay" sob a colaboração do sarcoma de Kaposi. Não ia demorar muito tempo para que fosse classificada como peste gay (o que é muito bem trabalhado em E a Vida Continua/1993) e "praga", ou seja, um quadro clínico é logo rotulado com elementos impregnados de conotações religiosas. No meio disso tudo, a narrativa é centrada em Ned Weeks (Mark Ruffalo) uma espécie de líder de um grupo de amigos gays que percebe um padrão dentro das mortes de seus amigos próximos. Em meio às mortes que cruzam seu caminho, ele conhece a médica Emma Brookner (Julia Roberts), que enquanto não tem repostas para o que está acontecendo pede para que os amigos de Ned parem de manter relações sexuais. O que é recebido com risadas e frases de afronta perante o que consideravam ser sinais de um moralismo tosco. É no meio do medo que o câncer gay provoca entre seus amigos que Ned conhece o jornalista Felix Turner (Matthew Bomer com a pinta de Superman que apresenta na série White Collar), com que passa a ter um relacionamento sério. Ned e seus amigos se articulam para exigir pesquisas sobre a doença e além do descaso dos governantes (que não queriam se envolver com a palavra "gay" em seu discurso), da patrulha heterossexual e do sensacionalismo da mídia, ainda tinham que lidar com as dificuldades do próprio grupo lidar com o temperamento de Ned. Entre os amigos. Sempre existe uma queda de braço entre ele e Bruce Niles (o sempre insosso Taylor Kitsch) que tenta ser apaziguada por Tommy (Jim Parsons) diante do estresse crescente da narrativa. A jornada dos personagens de The Normal Heart merece ser conhecida, no entanto o diretor Ryan Murphy carrega no exagero. Na maior parte do tempo, o tom está acima do ideal. Grita-se muito e nem sempre as explosões de desespero parecem autênticas. Mark Ruffalo faz de Ned um sujeito quase insuportável, o qual podemos compreender seu desespero, mas que tendemos a concordar com seus amigos que ele sempre passa da conta. Mas existem outros colegas de elenco que também padecem de overacting quando deveriam brilhar na trama (e isso acontece até com Julia Roberts) que está melhor quando sua personagem é apenas amarga. No fim das contas, The Normal Heart funciona bem graças à atuação de Matt Bomer, que consegue dar conta de seu personagem sem pitis e com interpretação crível quando a exaltada perfeição física de seu personagem é devastada pela AIDS. Boomer confere a leveza que falta à histeria do filme (que deve ser lembrado nas premiações ao final do ano, embora Bomer possa ser esquecido pelo preconceito de ser um homossexual interpretando um homossexual, como se héteros que interpretam héteros não merecessem reconhecimento). Sempre que Bomer que aparece em cena consegue nos contaminar com o que a aparição do HIV tem de mais doloroso: a interrupção irremediável da vida cheia de sonhos e possibilidades.
The Normal Heart (EUA/2014) de Ryan Murphy com Mark Ruffalo, Matt Bomer, Taylor Kitsch, Julia Roberts e Jim Parsons. ☻☻☻
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