segunda-feira, 7 de setembro de 2015

CICLO VERDE E AMARELO: Cão sem Dono

Julio & Tainá (e Contreras): intimidade espionada. 

A carreira do diretor Beto Brant pode ser dividida em duas partes. A primeira é formada por sua estreia em Os Matadores/1997 , (o enxuto) Ação Entre Amigos/1998 e (o irônico) O Invasor/2002. Os três são unidos pela narrativa ágil, pela violência e uma urgência poucas vezes vista até então na abordagem de temas pouco explorados na cinematografia brasileira, numa sintonia que beira a trilogia. Depois, o cinema de Brant ficou mais intimista, contemplativo e despojado, foi no estranhamento provocado por Crime Delicado (2005) que sua linguagem mudou radicalmente, gerando ainda Cão sem Dono (2007), O Amor Segundo B. Schianberg (2010) e Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios (2011). Embora quase todos sejam em parceria com o texto de Marçal Aquino (a exceção é Schianberg), eu prefiro a fase anterior. Sempre tenho a impressão que Brant dilui cada vez mais o que fazia dele um diretor tão particular no cenário brasileiro. Seus filmes são mais lentos, as atuações são contidas (quase ao ponto da apatia) e as cenas não demonstram a mesma tensão inventiva de outrora. Há quem considere que isso demonstra amadurecimento do diretor, eu considero que o descaracteriza numa linguagem que já é utilizada por vários outros diretores que filmam a mesma coisa do mesmo jeito que tantos outros. Cão Sem Dono foi até elogiado pelo seu despojamento cênico, mas me parece uma obra de puro desânimo. É verdade que o trabalho de Brant parece nem existir nas atuações do seu elenco, resultando quase numa câmera oculta que espia a intimidade do jovem casal Ciro (Júlio Andrade) e Marcela (Tainá Müller). Ciro é tradutor e encontra dificuldades em conseguir trabalhos, Marcela tenta a carreira de modelo que parece nunca decolar. Os dois se conhecem e engatam um romance tórrido que é apresentado sem grandes sobressaltos, até o dia em que Marcela se despedirá. Então o filme começa sua segunda parte, que mostra Ciro procurando um novo rumo até uma perda que anuncia sua redenção amorosa. O filme é isso, uma história de amor comum, sobre pessoas comuns, filmada de forma comum, mas sem perder de vista as intenções de Brant nesse momento de sua carreira (desvendar as relações de poder nos relacionamentos amorosos). Ambientada em Porto Alegre, o filme faz questão de tornar a capital do Rio Grande do Sul tão cinzenta quanto a periferia de São Paulo - os próprios figurinos ressaltam isso numa ausência quase absoluta de cores. Sei que tudo pode ser proposital para tornar a obra de Brant mais próxima da realidade, mas não a realidade que você ou eu enxergamos, mas a realidade idealizada por ele para seu casal. Há quem considere que a proposta funciona, mas eu considero tudo um tanto artificial demais (especialmente quando o casal interage com seus coadjuvantes de fala embolada ou recitada). No fim das contas os maiores méritos ficam por conta da desinibição de Tainá Müller (que era modelo e em sua estreia ganhou alguns prêmios importantes nos Festivais brasileiros) e o talento de Júlio Andrade que tornou-se um dos atores mais requisitados do cinema nacional, graças à sua capacidade camaleônica (para quem não lembra o rapaz interpreta o assustador Gonzaguinha de Gonzaga: De Pai Para Filho/2012 - que convenceu até minha mãe de que estava diante de um fantasma do cantor).  Talvez seja uma falha eu não conseguir analisar o filme dissociado dos outros do cineasta, mas ainda não consigo crer que Cão Sem Dono seja um filme memorável. 

Cão sem Dono (Brasil/2007) de Beto Brant com Julio Andrade, Tainá Müller e Marcos Contreras.

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