Regina e Bárbara: deliciosamente esquisito.
Regina Duarte é uma das atrizes mais conhecidas do Brasil, principalmente por seus trabalhos na televisão. No entanto, o público de acostumou a vê-la dentro de um determinado padrão de personagens, todos bem distantes do que ela encarna em Gata Velha Ainda Mia, longa de estreia do ator e dramaturgo Rafael Primot, integrante do Grupo Tapa desde 2001. Além de render à Regina um papel bastante diferente do que estamos habituados a vê-la, o filme mostra-se bastante engenhoso na construção de sua narrativa cheia de camadas e possibilidades, parecendo um parente de dois filmes brasileiros dramáticos que flertam com o horror (e dos quais eu gosto muito): Reflexões de Um Liquidificador/2010 e Trabalhar Cansa/2012. No filme de Primot a renomada atriz vive a escritora Gloria Polk, um ícone da literatura feminista, mas que não lança um único livro há dezessete anos. Prestes a resgatar sua personagem mais famosa em uma novo lançamento, Gloria aceita conceder uma entrevista à uma jornalista, Carolina (Bárbara Paz), que vê na oportunidade a chance de ser promovida. Porém, o que poderia ser uma entrevista trivial começa a mostrar-se um tanto complicada, já que Glória enfrenta uma crise para escrever o final de sua nova obra e surge Carol para realizar a entrevista. Gloria parece um tanto fora do eixo, alternando simpatia e mau humor nos primeiros minutos do encontro entre as duas. Esse é o ponto de partida para a tensão que se instaura entre as duas, já que a escritora não se contenta em dizer o que as leitoras e a jornalista gostariam de ouvir. Aos poucos a admiração de Carol torna-se estranhamento e as palavras de Carol se tornam mais ásperas, revelando uma pessoa difícil e amarga, ainda que repleta de tiradas certeiramente cortantes. Gloria parece de mal com o que as mulheres da geração seguinte fizeram com os ideais feministas em preocupações com a aparência, hidratantes e casamentos confortáveis - enquanto Gloria teve que fazer quentinhas para fora e preparar banquetes exóticos para chefes de Estado para conseguir viver. Na pele da escritora, Regina Duarte está magistral descascando as várias camadas de sua personagem, indo da antipatia a um gestual mais sedutor em poucos segundos, revelando uma hostilidade cujos motivos são revelados aos poucos. Primot consegue conduzir a dinâmica entre as duas personagens de forma hipnótica, envolvendo o expectador nas várias nuances da entrevistada. Se o espectador ficar atento, perceberá os cortes que mudam a relação entre as duas e revelam um pouco do que se passa em cena - mesmo quando o filme se arrisca descambando para a crueldade trash envolta em segredos revelados em maquiagem pesada e papel laminado (mudando até a elegância apresentada por Carol de forma brusca). Com muitos planos fechados, trilha sonora densa, cenografia bem cuidada e atmosfera claustrofóbica, Gata Velha Ainda Mia surpreende pela desenvoltura como abraça a estranheza e revela as possibilidades de uma ideia na mente de um escritor (ou seria: nas entranhas sombrias de uma escritora?) - e com a ajuda de duas atrizes competentes o programa fica ainda mais interessante.
Gata Velha Ainda Mia (Brasil/2014) de Rafael Primot com Regina Duarte, Rafael Primot e Gilda Nomacce. ☻☻☻☻
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