Cauê: conflito de identidade.
Lançado no ano passado, o filme de Caíto Ortiz teve que lidar com críticas severas quanto à estética de seu filme, que muitas vezes, chama mais atenção do que a história em si. No entanto, eu considerei bastante interessante o rigor técnico do diretor ao lidar com uma história tão intimista. Acho que conteúdo e forma ajudam na construção de um universo bastante particular para a trama - ora emulando uma atmosfera David Lynch ou os cortes secos de Darren Aronofsky no início de carreira. Quem resistir aos primeiros minutos (quase experimentais) poderá ficar hipnotizado com a trajetória do nissei Mário Kubo (Cauê Ito), um morador de São Paulo do qual sabe-se muito pouco. Apenas que trabalha com pedras preciosas e é casado com uma mulher que ainda não se acostumou com seu estilo reservado. Entre dias de trabalho, viagens de metrô e tensão domiciliar mostradas em uma montagem descontínua, a vida de Mário muda quando ele recebe uma carta escrita em japonês (a qual não consegue ler) com uma foto que ele parece não identificar de quem é. A partir daí o personagem começa a pensar sobre a sua rotina e um tanto sobre sua própria identidade. Ele acaba buscando respostas no bairro Liberdade, conhecido bairro turístico de São Paulo com seus balões de luz orientais e sua população de descendentes japoneses. Embora critiquem o filme pela forma fragmentada como a história é apresentada, percebi um sentido pleno em tudo o que é mostrado, caminhando de forma bastante coerente para os significados da foto e da tal carta recebida. Caíto Ortiz filma a Liberdade como se fosse o Japão de outra dimensão, com seus moradores falando japonês (ou português com sotaque carregado), com tipos bastante brasileiros vestidos como orientais, com karaokês onde pessoas cantam em japonês para pouco depois apresentarem uma canção de Roberto Carlos, tudo muito distante do que vemos na primeira parte do filme. Explorando ao máximo os traços de Cauê Ito (que parece esculpido com laser) o filme revela como os dias naquele bairro o aproxima de referências que até então estavam escondidas em sua própria história - ainda que tudo seja uma realidade distorcida do Japão. Com poucos diálogos e alguns toques de humor inteligentes, Estação Liberdade é um filme muito diferente do que estamos acostumados a ver. Possui alguns excessos estilísticos, mas consegue manter sua narrativa dentro de uma atmosfera original bastante particular na cinematografia brasileiro. O resultado pode não agradar a quem procura entretenimento fácil, mas quem conseguir desvendar o labirinto imagético criado por Ortiz poderá ter uma grata surpresa ao final do desafio proposto ao protagonista.
Estação Liberdade (Brasil/2014) de Caíto Ortiz com Cauê Ito, Fabíula Nascimento, Kentaro Inoue e Carolina Sudati. ☻☻☻☻
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