Descartes: Júnior macabro.
Quem conhece sabe que o cineasta Marco Dutra sempre teve uma queda pelo terror - e ao lado de Juliana Rojas assinou o ótimo Trabalhar Cansa (2011) com tintas de horror social - mas em Quando Eu Era Vivo ele investe num terror psicológico mais clássico, mas nem por isso menos interessante. Não lembro de ter sentido tantos calafrios há muito tempo! O grande motivo para isso é que acompanhamos os estranhos fatos que afetam a mente de Júnior (um Marat Descartes cabeludo) após o divórcio e a chegada à casa do pai (Antônio Fagundes). Calado e introspectivo podemos até compreender a sua melancolia, especialmente quando descobre que seu antigo quarto foi alugado para Bruna, uma jovem estudante de música (vivida pela cantora Sandy). Trata-se de uma convivência estranha entre os três personagens, já que a casa traz muitas lembranças ao hóspede, mas que nunca são ditas para o anfitrião. Seu irmão e sua mãe parecem estar apenas em sua memória. No entanto, desde a primeira cena imaginamos o motivo disso, já que havia algo de sinistro nos gostos da família. Dormindo no sofá e com a impressão cada vez maior de que está incomodando, Júnior resolve se mudar para o quartinho que está cheio de entulho, ou melhor, cheio das coisas velhas que fazem seu pai lembrar de uma vida que ele pretendia manter esquecida e trancada no passado. Mas o filho abre aquele quarto e espalha os objetos de louça, quadros e outros objetos de sua mãe novamente pela casa. O lugar que era claro e límpido, passa a se tornar mais escuro e entulhado de coisas. O problema maior é que Júnior começa a lembrar da ligação de sua mãe com práticas de ocultismo, que somado ao seu comportamento cada vez mais estranho - e a menção ao destino de seu irmão Pedro (Kiko Bertholini em uma única e arrepiante cena) - torna tudo ainda mais sinistro. Marco Dutra realiza aqui uma espécie de inventário de coisas mórbidas (cabeças de cera, rabiscos macabros, mensagens cifradas, vitrolas que tocam ao contrário, bibelôs esquisitos...) que constroem a história daquela família que tenta ser normal depois de um período conturbado. Ocultismo não costuma ser uma temática abordada no cinema brasileiro, ainda mais num cenário tão urbano como São Paulo, mas Dutra faz um trabalho que merece atenção por sua grande atenção aos detalhes, prova disso é a escalação de Sandy, a famosa boa moça da música pop brasileira. A presença de Sandy serve não apenas para comprovar o talento do diretor (que lhe concede uma boa interpretação), como também compõe alguns dos momentos mais sinistros do filme. Os duetos da cantora com Júnior (Sandy e Júnior, sacaram?), na sinistra canção que perpassa os mistérios do filme, são realmente de arrepiar, especialmente pela sobreposição de seu timbre angelical com a voz cavernosa de Marat Descartes (que parece ter se inspirado em Nick Cave). Baseado no livro "A Arte de Produzir Efeito sem Causa" do cult Lourenço Mutarelli, Quando Eu Era Vivo provoca arrepios, mesmo quando o desfecho tange para o final (feliz?) de um drama familiar.
Quando eu Era Vivo (Brasil/2014) de Marco Dutra com Marat Descartes, Antonio Fagundes, Sandy Leah e Gilda Nomacce. ☻☻☻☻
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