Michael, uma fã e Lisa: riqueza impressionante de detalhes.
Quero ser John Malkovich/1999 deve ser um dos filmes mais originais da história em sua abordagem sobre crise de identidade e culto às celebridades. Também foi o filme que estabeleceu Charlie Kaufman como um dos roteiristas mais criativos de Hollywood. Se você viu o filme você deve lembrar que o protagonista era um títere (manipulador de marionetes) incompreendido por perceber que os bonecos eram capazes de transmitir mais emoções do que a maioria das pessoas pensam - tanto que leva uma surra ao fazer uma versão (sem cortes) de Abelardo e Heloísa com bonecos no meio da rua. É mais ou menos essa a ideia que Kaufman resgata em seu segundo filme na direção. Depois do resultado confuso de Sinedóque, Nova York/2008, ele volta com as ideias mais contidas, mas ainda assim, interessantes ao contar a história de um famoso escritor em crise. É verdade que todo o personagem do roteirista está em crise (e que já parece até clichê), a grande diferença é que a trama serve de pretexto para vermos bonecos fazendo coisas incomuns na telona. O protagonista Michael Stone (parece a mistura dos protagonistas de Instinto Selvagem/1992, será de propósito?) ganha a voz de David Thewlis para expressar suas angústias ao se preparar para a palestra sobre seu livro de sucesso sobre atendimento a clientes. Nascido na Inglaterra e residente nos EUA, Michael tem uma esposa e um filho, mas passa o início do filme cogitando reencontrar um romance do passado. Quando a coisa parece não se ajeitar, ele encontra duas fãs, e se encanta por uma delas, a doce Lisa (voz de Jennifer Jason Leigh) - e parece ser sua última chance de ser feliz. O roteiro investe pouco no humor e prefere se concentrar em momentos como em que Michael (e a plateia) percebe que a voz de Lisa é única (e é mesmo, já que todos os outros personagens tem a voz do ator Tom Noonan - inclusive as mulheres, o que deixa tudo ainda mais esquisito) e no revelador pesadelo que destaca como, bem no fundo, a crise de Michael é por ele não perceber que os outros não existem para satisfazê-lo (o que pode prejudicar suas chances de felicidade, não apenas com Lisa, mas com qualquer pessoa). Kaufman contou com a ajuda do animador Duke Johnson para dar vida aos bonecos em stop-motion e os dois conseguem realmente momentos incríveis, não apenas na expressividade dos bonecos (feitos por impressoras 3D) mas na riqueza de todos os detalhes em cena (que deixaram a equipe com a árdua missão de ter poucos segundos gravados após um dia inteiro no estúdio). Todo esse cuidado consegue criar um drama humano que talvez não tivesse tanta graça se fosse feito por atores de carne e osso (além disso, criaram a cena de sexo entre bonecos mais delicada de todos os tempos). Indicado ao Oscar de Melhor Animação, o filme também é um destaques do Independent Spirit Awards (que acontece dia 27 de fevereiro, um dia antes do Oscar), onde concorre aos prêmios de Melhor Filme, Direção, atriz coadjuvante (Jennifer Jason Leigh) e melhor roteiro. Vale conferir, nem que seja pela curiosidade de ver um projeto único e bastante pessoal do autor.
Duke e Charlie: trabalho árduo.
Anomalisa (EUA/2016) de Duke Johnson e Charlie Kaufman, com vozes de David Thewlis, Jennifer Jason Leigh e Tom Noonan. ☻☻☻
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