Nina Simone: a complexidade de uma bela voz.
Se Beasts of No Nation, a primeira produção cinematográfica produzida pelo Netflix ficou de fora do Oscar (por motivos empresariais que já apareciam na dificuldade do longa conseguir espaço nas salas de cinema), melhor sorte teve o documentário produzido diretamente para os assinantes do serviço sobre a diva Nina Simone - lembrado na categoria de melhor documentário no prêmio da Academia. What Happened, Miss Simone? Foi um dos destaques da programação do ano passado ao mergulhar fundo na história da cantora de jazz que sonhava ser a primeira grande pianista clássica negra dos Estados Unidos - e nasce daí a sua grande frustração, uma vez que o preconceito mostrou-se uma barreira intransponível que só alimentou o lado mais agressivo de sua personalidade. É fascinante como a diretora Liz Garbus nos apresenta os paradigmas que envolviam a cantora. Nascida Eunice Kathlen Waymon no ano de 1933, Nina teve uma infância pobre em meio à segregação racial americana. Foi ainda pequena que aprendeu a tocar piano com toda a rigidez que sua mestra percebia necessária para que ela se tornasse uma grande musicista. Embora enfrentasse preconceitos para consolidar seu sonho, Simone foi uma das primeiras alunas negras da conceituada Jiulliard School e adotou o nome artístico aos 20 anos, quando começou a se apresentar em Atlantic City e um gerente do bar pediu que cantasse enquanto tocasse piano. O sucesso veio em meados da década de 1950, com a ajuda do marido Andrew Straud que largou o trabalho no departamento de polícia para ser seu empresário. Se o sucesso de Simone era cada vez maior, a vida domiciliar era cada vez mais complicada com a violenta relação com o marido que a obrigava a trabalhar sempre mais e mais. Obcecado em transformar sua esposa numa grande estrela, Andrew era bastante agressivo e não aprovou quando a esposa começou a ser ativista na luta pelos direitos civis dos negros americanos. Envolvendo-se na luta de Martin Luther King, ela se identificasse mais com a fúria de Malcolm X e sua música começou a tomar contornos de hinos do movimento, com discursos que, por vezes, estimulava a violência (ela pergunta à uma multidão "Estão dispostos a dar a vida? Estão dispostos a queimar prédios? Estão dispostos a matar se for preciso?), portanto era inevitável que ela começasse a ser boicotada por empresários, produtores e programas de televisão. Sua decadência (não apenas artística, mas emocional) é mostrada como inevitável. De temperamento forte (como relatam as entrevistas de sua filha, ex-marido e dos amigos mais próximos), Simone foi diagnosticada como bipolar e maníaco-depressiva em meados da década de 1970, após viver em vários países (Libéria, Suíça, Paris...) com a carreira quase terminada. A cineasta Liz Garbus realiza um trabalho notável ao contar a vida da cantora em três atos bem organizados pelas imagens de arquivo, anotações e entrevistas e, o mais importante, consegue contextualizar o período histórico em que Nina viveu, o que torna-se fundamental para demonstrar como a artista estava incomodada por sentir-se deslocada em seu tempo - e o preço que pagou por isso foi caro. Existem momentos de uma sublime melancolia, como sua apresentação no Festival de Montreaux, que soa como uma verdadeira catarse da artista (cuja abertura inicia o filme, mostrando uma estrela um tanto perdida diante de tudo que ocorreu em sua vida). Em tempos em que o Oscar é acusado de racista, o filme tem fortes chances de levar o prêmio para casa. Se levar, será muito justo não apenas pelo belo retrato de Miss Simone, mas por lembrar que sua causa ainda não foi concretizada.
What Happened, Miss Simone? (EUA/2015) de Liz Garbus com Nina Simone, Andrew Straud e Andrew Straud. ☻☻☻☻
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