Treaure e Zain: talentos precoces em drama libanês.
Me arrisco a dizer que neste ano os concorrentes ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro não fariam feio se figurassem no páreo de melhor filme (um deles, Roma, até apareceu nas duas categorias e acabou levando o prêmio de filme estrangeiro para a casa junto com outras cobiçadas estatuetas). Outro concorrente deste ano foi Cafarnaum, um dos filmes mais tristes que já assisti na vida e, ao mesmo tempo, um dos mais instigantes pela forma como a diretora Nadine Labaki consegue extrair atuações genuínas de seus protagonistas mirins. É verdade que há tempos existe a premissa de que filmes com crianças protagonistas são irresistíveis para os votantes da Academia (e eu poderia passar horas escrevendo sobre filmes com meninos e meninas que levaram o prêmio para casa e outros pré-indicados que nem foram indicados, inclusive brasileiros...), mas arrisco a dizer que nenhum deles possuía um protagonista do quilate de Zain Al Rafeea, um franzino garoto de quatorze anos que tem os olhos mais expressivos dos últimos tempos. Ele interpreta Zain, um menino morador da cidade de Cafarnaum que trabalha para ajudar a família a sustentar uma infinidade de irmãos e irmãs. Não demora muito para saber que a situação do guri não foi das melhores, já que somos apresentados a seus pais num tribunal, ali descobrimos que ele foi preso por um ato violento cujas motivações descobriremos aos poucos. Parte da história apresenta como o relacionamento com a família se desgastou, para depois termos um respiro de tranquilidade quando aparece em cena Rahil (a excelente Yordanos Shiferaw), uma imigrante ilegal que trabalha num parque de diversões enquanto esconde o seu bebê, que torna sua situação no país ainda mais preocupante. O trio irá formar uma família incomum, até que novas surpresas atrapalham a trajetória de todos eles. Falando nisso, a outra interpretação infantil que impressiona no filme é do bebê de Rahil, Yonas (Boluwatife Treasure Bankole), que deixa o trabalho da cineasta ainda mais impressionante. Labaki conta a história com sensibilidade impressionante em uma linguagem quase documental. O filme tem momentos ternos e até bem-humorados, mas que em momento algum disfarça a tragédia humana que nos é apresentada. O nó na garganta é inevitável e o desfecho só ressalta que precisamos estar mais atentos à atenção que oferecemos para as futuras gerações. Em meio aos caos emocional apresentado pelo filme (ambientado em uma cidade conhecidamente bíblica), Cafarnaum alcança um resultado devastador, doloroso e inesquecível. Embora o penúltimo ato pudesse ser um pouquinho mais enxuto, a obra apresenta uma força bastante incomum.
Cafarnaum (Capharnaüm / Líbano - França - EUA / 2018) de Nadine Labaki com Zain Al Rafeea, Boluwatife Treasure Bankole, Yordanos Shiferaw e Kawsar Al Haddad. ☻☻☻☻
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