Meryl: ofuscada pela amiga Viola Davis.
John Patrick Shanley já tinha um Oscar na estante pelo roteiro de Feitiço da Lua (1987) quando estreou na direção no lamentável Joe contra o Vulcão (1990). A ressaca durou muitos anos até que voltasse a dirigir um longa e o resultado está a anos luz de seu outro trabalho como diretor - e o roteiro é ainda melhor que de sua obra oscarizada. O texto de Dúvida foi concebido para os palcos e ali ganhou vários prêmios que deram ânimo ao diretor se aventurar mais uma vez atrás de uma câmera. O filme foi lançado num momento , infelizmente, oportuno - onde denúncias sobre pedofilia na igreja católica eram manchetes nos jornais quase toda semana. Mas o filme de Shanley está longe de ser sensacionalista ou escandaloso, pelo contrário, ele aborda de forma sutil como a histeria pode agravar ainda mais preconceitos e interesses variado. Assim como nos palcos a dúvida se o atencioso padre Flynn (Phillip Seymour Hoffman) passou dos limites com o pequeno Miller (Joseph Foster) permanece todo o tempo na mente do expectador (reza a lenda que somente Hoffman conhece a verdade contada pelo autor, especialmente para composição do personagem). Flynn é apresentado como uma pessoa humanista e extremamente emotiva, ao ponto de conter as lágrimas enquanto fala aos fiéis durante a missa. Seu total oposto é a freira Aloysius (Meryl Streep), diretora da escola e que encarna tudo que a Igreja possui de mais conservador e arcaico. É ela que controla com mãos de ferro os estudantes da escola em que se passa a história no Bronx do ano de 1964. Enquanto Flynn possui uma visão de que a educação religiosa pode ser menos repressora, Aloysius se incomoda com alguns de gestos, sorrisos e comentários que (ao seu ver) indicam que Flynn não é tão puritano quando deveria ser. No meio dessa história está Miller, um garoto negro e de origem humilde que sente-se desconfortável na companhia de seus colegas de escola - e que encontra em Flynn algum companheirismo. São as suspeitas da freira James (Amy Adams, compondo uma adorável futriqueira arrependida), responsável pelas aulas de Miller que motivam as suspeitas de que o padre tenha abusado do aluno. Além de temer o escândalo inevitável da situação, Aloysius possui outros motivos para querer que Flynn fique longe da escola - e a maioria deles são menos nobres do que parece. É notável o cuidado de Stanley em lapidar os diálogos de Dúvida, tornando seus personagens mais fortes e complexos à medida que fortalece na mente do público o questionamento da inocência de padre Flynn. Enquanto assistimos ao filme esta dúvida convive com o horror de poder simpatizar com um monstro ou reprovar alguém que mantém a melhor postura diante dos fatos (e tanto um quanto o outro podem atender pelo nome de Flynn ou Aloysius). Stanley ainda encontrou os atores perfeitos para os papéis que tinha em mãos, além de Hoffman (indicado ao Oscar de coadjuvante), Streep (indicada ao Oscar de atriz) e Amy Adamns (indicada ao Oscar de atriz coadjuvante), ele conta com uma participação destruidora de Viola Davis como a mãe de Miller. A cena em que Viola contracena com Streep é desconcertante desta atriz até então desconhecida que pela performance recebeu sua primeira indicação ao Oscar (na categoria de atriz coadjuvante). Viola acerta no tom da voz, na postura coagida, no olhar que transparece toda a angústia de uma mãe disposta a aceitar o filho do jeito que ele é, mesmo que isso possa ser mal visto e evitar um escândalo. Sua participação eleva nossas dúvida à enésima potência e compensa qualquer excesso na direção de John Patrick Shanley (lâmpadas queimando, telefones persistentes, ventos repetitivos que acabam tendo o efeito oposto ao esperado ao diminuir a tensão narrativa). Dúvida é um filme bem construído e que permanece em nossas mentes por muito tempo.
Dúvida (Doubt/EUA-2008) de John Patrick Shanley com Meryl Streep, Phillip Seymour Hoffman, Viola Davis e Amy Adams. ☻☻☻☻
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