Deneuve e Bowie: vampiros cheios de estilo.
Ah! Que saudade da época que Tony Scott se arriscava a fazer filmes diferentes e interessantes! Faz um tempo que a carreira do irmão de Ridley Scott alcançou aquele piloto automático (carregado de edição frenética e Denzel Washington) que pode até arrecadar alguns milhões de dólares na bilheteria, mas perdeu a capacidade de surpreender. O primeiro longa com assinatura de Tony Scott foi este Fome de Viver - e que tem quase 30 anos e ainda consegue proporcionar aquele estranhamento quando assistimos. O filme conta a história de um casal de vampiros que após atravessar séculos de vida matrimonial caçam suas presas nos pubs dos anos 1980 (e a escolha de inserir uma espécie de clipe do Bauhaus no início com a clássica "Bella Lugosi's Dead" ajuda perfeitamente a entrar no clima da sessão). Scott demonstrou uma sabedoria ímpar ao escalar como protagonistas a beleza e o talento de Catherine Deneuve e a androginia sempre instigante de David Bowie (em mais uma de suas boas atuações que me fazem perguntar porque ele tem dedicado menos tempo ao cinema). O filme é repleto de climas e reflexões sobre a morte e mais ainda sobre o envelhecimento. Envelhecimento este que começa a assustar John (Bowie), que da noite para o dia começa a envelhecer repentinamente, algo raro para os vampiros. O motivo dessa reação incomum pode ser conhecido por Miriam Blaylock (Deneuve, lindíssima), sua parceira e que já conheceu outros vampiros que tiveram o mesmo destino (ou seja, envelhecer aceleradamente até se tornar um farrapo humano para toda a eternidade). Querendo reverter essa situação, John procura uma médica especialista em estudos sobre a relação entre o sono e o envelhecimento, Sarah Roberts (Susan Sarandon). A primeira parte do filme se concentra na angústia de John (e a cena em que envelhece uns cinquenta anos na sala de espera de Sarah é antológica), já a segunda é dedicada à busca de Miriam por uma nova pessoa para dividir a eternidade. É neste momento que Fome de Viver parece que irá enveredar para uma trama policial (e o clima cool meio noir impresso pelo diretor colabora muito para isso), mas segue um caminho mais interessante ao extrapolar a química entre Miriam e Sarah, numa atração inexplicável que reflete muito o apelo que pelos clássicos personagens imortais de dentes pontudos despertam em nós. Quando Sarah segue um caminho semelhante ao do clássico Bebê de Rosemary (1968) com um tom cada vez mais sombrio. Fiel ao livro de Whitley Striber, o filme tem o mérito de trazer os vampiros para uma época atual sem ridicularizá-los, ressaltando a fúnebre sensualidade de suas trajetórias. Scott não perde tempo explicando como os protagonistas se conheceram (prefere utilizar alguns flashbacks que os insere na Europa do século XVIII ou Miriam no Egito) ou no final enigmático. Embora todo o estilo e atmosfera do filme não tenha o transformado em um estouro de bilheteria, Fome de Viver se tornou um dos maiores cults da década de 1980 conquistando fãs até hoje. Pena que depois dessa experiência Tony Scott tenha enveredado por um caminho mais comercial em filmes de ação (Top Gun/1986, Um Tira da Pesada 2 /1987...) e só fez outro filme relevante dez anos depois (Amor à queima Roupa/1993, com roteiro de Quentin Tarantino). Ao final da década de 1990, Scott retomou a ideia do seu primeiro longa no seriado The Hunger que durou três temporadas (1997-1999) e contou com a participação de David Bowie no elenco (só que num papel completamente diferentes).
Fome de Viver (The Hunger/Reino Unido-1983) de Tony Scott com David Bowie, Catherine Deneuve, Susan Sarandon e Dan Hedaya. ☻☻☻☻
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