Flertar com elementos de fantasia numa trama realista não é fácil, tanto que quando um diretor consegue essa difícil proeza ele é facilmente exaltado pela crítica e, às vezes, até pelo público. O espanhol Marçal Forés chamou atenção em festivais com sua estreia em longa metragem neste Animais, filme bastante interessante sobre alguns dilemas da adolescência - sobre a ótica de um jovem que tem num urso de pelúcia como seu melhor amigo. Parece ridículo? Talvez nos primeiros minutos você perceba que o diretor sabe trocar, com bastante habilidade, o ridículo pela estranheza. Especialmente se você conseguir perceber alguns elementos que podem parecer familiares, mas nunca combinados de maneira tão coerente. Pol (Oriol Pla) é um adolescente que vive com o irmão mais velho, Llorenç (Javier Beltrán), mas que tem como melhor amigo Deerhoof, um uso de pelúcia que fala em inglês. Pol passa a maior parte do tempo trocando confidências com Deerhoof - que toca bateria nas investidas musicais do rapaz. Llorenç conhece esse histórico do irmão e fica bastante incomodado com isso. Pol também tem um casal de amigos, Laia (Roser Tapias) e Mark (Dimitri Leonidas), mas para nenhum deles é capaz de dizer as coisas que diz para Deerhoof. O bicho de pelúcia é um confidente bastante fiel do protagonista. Não é difícil perceber que Deerhoof e sua voz desiludida (que lembra a do ursinho de Inteligência Artificial/2001) representam a inocência de Pol, a necessidade do jovem guardar seus segredos para que o mundo não se torne uma ameaça a partir do que deseja. No entanto, existe um certo desequilíbrio quando um lobo rouba Deerhoof e o destrincha num bosque para que depois Pol o encontre e o costure - ou que mais tarde Llorenç o enterre no quintal, para depois Pol resgatá-lo (para que depois tenha coragem de crescer e abandonar o fiel companheiro num ato que parece até uma covardia). Some isso à presença de dois novos personagens: Clara (Maria Rodriguez) e Ikari (Augustus Prew). Clara irá desaparecer da cidade e Ikari irá forçar um pouco as barreiras de segurança que Pol criou em volta de si. É no flerte constante entre o realismo e o fantástico que conhecemos as angústias dos personagens, especialmente no que se refere à sexualidade. É em meio a esses caminhos a serem percorridos que Deerhoof faz falta, num reflexo de que as ilusões eram mais seguras, ao mesmo tempo que simbolizam um distanciamento quase mórbido da realidade. Forés orna seu filme com trilha sonora deliciosamente crua e seres que vivem entre o inofensivo e o selvagem - o que serve também para os seus personagens adolescentes retratados como universos em expansão que se chocam ou complementam. O filme tem uma narrativa hipnótica que define a fantasia dentro da realidade dos seus personagens e lembra filmes como Donnie Darko (2001), Elefante (2003) e o brasileiro Os Famosos e Os Duendes da Morte (2009), sendo desse as referências que mais me impressionaram (a ponte como uma fronteira entre a vida e a morte, a menina que parece um fantasma, a sexualidade sufocada do protagonista). Ainda assim, Animais é um filme de identidade bem marcada para traduzir a juventude e suas referências no árduo processo de chegar à vida adulta.
Pol: reconstruindo a inocência em risco.
Animais (Animals/Espanha-2012) de Marças Forés com Oriol Plá, Roser Tapias, Javier Beltrán, Dimitri Leonidas, Martin Freeman e Augustus Prew. ☻☻☻☻
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