Alberto e Ricardo: a subjetividade como armadilha?
Sei que em época de Copa do Mundo é até perigoso dizer uma coisa dessas, mas sinto uma certa inveja dos argentinos, principalmente quando nosso cinema nacional parece ter se dividido entre duas correntes: as comédiotas e filmes herméticos (ambos parecem saídos todos da mesma forma do gênero a que pertencem). Enquanto isso, os argentinos fazem todo tipo de filme, com identidade bem marcada e sucessos de crítica e publico - que conseguem chegar por aqui mais do que o resto da produção latino-americana. Tese sobre um Homicídio foi lançado em julho do ano passado no Brasil e chamou atenção do público com seu suspense protagonizado pelo famoso Ricardo Darín. Darín interpreta Roberto, um advogado aposentado que ganha a vida dando aulas numa faculdade. Conhecido no ramo, ele chama a atenção de Gonzalo (Alberto Amman) que volta para Argentina somente para ter aulas com ele. Entre as conversas de ambos, o professor diz que o que faz a diferença num julgamento não são as provas ou os fatos, mas os detalhes aos quais o juiz deverá estar atento antes de dar o veredicto. Por outro lado, Gonzalo, percebe que o Direito trabalha voltado para as relações de poder. É sobre isso que os dois personagens mantém o diálogo mais importante da trama. O aluno diz ao professor que se ele matar uma borboleta não há problema algum para a código penal, mas se essa borboleta pertencer à coleção de alguém a lei se aplica. Roberto considera a afirmação do pupilo um grande equívoco. Não demora muito para que uma mulher seja encontrada morta no estacionamento com um bilhete e um cordão com pingente de borboleta. Este pequeno detalhe é suficiente para que o professor comece a suspeitar que Gonzalo seja o assassino e que está colocando suas convicções à prova. Entre conversas com outros personagens e outras pistas que encontra pelo caminho, o roteiro de Patricio Vega (baseado no livro de Diego Paszkowski) cria um cenário bastante instigante sobre o poder da subjetividade no que escolhemos aceitar como verdade. Roberto está tão certo de que Gonzalo é o assassino que é incapaz de questionar qualquer coisa que o aponte na direção contrária (estaria assim, provocando que mesmo sem ser o dono da borboleta, algo valioso foi destruído ou apenas que ele tem o poder de ser mais esperto que o aluno?). Cada conversa, cada detalhe é sempre direcionada para que as suspeitas sobre o rapaz só aumentem, especialmente quando ele começa a se envolver com a irmã da vítima (Calu Rivero) que estranhamente tenta assumir a vida da irmã. No início, Roberto convence a plateia de suas suspeitas, mas aos poucos (conforme o passado dos personagens começa a se misturar) o espectador começa a colocar as certezas do protagonista à prova. O diretor Hernan Golfrid consegue propor uma reflexão interessante sobre a máxima do sofista Protágoras: "O homem é a medida de todas as coisas" e mostra o quanto a subjetividade manipula a realidade que enxergamos. Ainda que em alguns momentos pareça repetitivo em sua estrutura, Tese sobre um Homicídio consegue cumprir a sua função de fazer o espectador pensar e buscar respostas próprias diante do que a história lhe apresenta.
Tese Sobre um Homicídio (Tesis sobre un Homicidio/Argentina-Espanha/2013) de Hernan Golfrid com Ricardo Darín, Alberto Amman, Calu Rivero e Natalia Santiago. ☻☻☻
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