Faye Dunaway: prevendo o futuro da TV.
A década de 1970 deve ser reconhecida pela excelente safra cinematográfica americana que proporcionou. Era a época em que diretores e roteiristas flertavam cada vez mais com uma postura mais crítica perante a sociedade, muitos bebiam na fonte do cinema autoral europeu e o resultado foi o nascimento de nomes que se tornariam grande influência para o cinema americano contemporâneo. Sidney Lumet estava na ativa desde a década de 1950, mas foi nos anos 1960 e 1970 que se tornou um dos nomes mais importantes da sétima arte. Falecido em 2011, o diretor é uma influência para vários cineastas que buscam um tom realista nutrido pela angústia de seus personagens. Rede de Intrigas é um dos seus filmes mais elaborados e concorreu a dez estatuetas no Oscar, mas ganhou apenas quatro (ator/Peter Finch, atriz/Faye Dunaway, atriz coadjuvante/Beatrice Straight e roteiro original/Paddy Chaiefsky). Visto hoje, o brilhante roteiro tem um sabor ainda mais especial, já que parece registrar o nascimento de uma nova forma de fazer televisão, que vive seu auge nos dias atuais. Tudo gira em torno de uma rede de TV fictícia (que apresentada entre os letreiros de redes como NBC e ABC parece mais uma junção de ambas) que padece com baixos índices de audiência. Neste universo quem é mais prejudicado (e cobrado) é o setor de jornalismo, que está com os dias de seu âncora contados na emissora. Howard Beale (Peter Finch, que pela assustadora sandice em cena levou o primeiro Oscar póstumo da história da Academia) aproveita seu penúltimo programa para anunciar nacionalmente que irá se suicidar ao vivo na semana seguinte. Poucos na própria emissora prestam atenção na declaração desesperada de quem já foi um ícone do telejornalismo. Diante disso, seu amigo e diretor do departamento, Max Schumacher (William Holden) tem que lidar com o afastamento imediato de Beale. Enquanto isso, uma editora faminta por números de audiência, Diana Christensen (Dunaway), procura projetos sensacionalistas capazes de alavancar a programação. Não demora muito para que ela perceba que os surtos constantes de Beale garantem números promissores perante os espectadores - e enquanto Max percebe que o amigo está à beira da loucura, Diana estimula Beale a se considerar um "profeta do apocalipse". O texto premiado de Paddy Chaiefsky mergulha cada vez mais na perda de todo e qualquer valor ético e moral na busca por audiência, se por um lado o público abraça as loucuras de Beale, por outro, Diana recebe carta branca para gerar programas tão estapafúrdios quanto videntes que preveem as notícias da próxima semana e ações terroristas reais filmadas para passar na televisão (num programa chamado "A Hora de Mao Tsé-Tung"). Assim, quanto mais a emissora aprofunda sua baixaria, mais números robustos ela tem entre anunciantes e espectadores. Nesse universo vale tudo, de ícones comunistas que viram produtores de TV loucos por dinheiro, passando por editoras novatas que se deitam com veteranos, plateias ensandecidas, terroristas que viram astros de TV além de um assassinato articulado em nome da audiência. Nessa máquina de fazer loucos, o caso de amor adúltero de Max acaba até perdendo o fôlego. Lumet parece nos colocar diante de um verdadeiro presságio do que a televisão se tornaria no futuro: um território onde tudo é válido pela audiência. É neste ponto em que a plateia descobre que nem tudo é válido, afinal enquanto Beale é um louco inofensivo ele pode dizer o que quiser, mas quando começa a revelar as verdades que não devem ser contadas em rede nacional... a coisa complica (repare o monólogo fenomenal de Ned Beatty sobre um tempo onde as nações não existem mais, apenas grandes empresas multinacionais). Ágil da primeira até a última cena, armado em diálogos cortantes com tempero documental e humor negro, Rede de Intrigas é mais do que uma provocação é uma ode ao tempo que estava por vir (o qual vivemos).
Rede de Intrigas (Network/EUA-1976) de Sidney Lumet com Peter Finch, Faye Dunaway, William Holden, Robert Duvall, Ned Beatty e Wesley Add. ☻☻☻☻☻
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