Para iniciar o Ciclo Verde e Amarelo de 2023 escolhi um filme que brasileiro que eu não tinha escutado falar até que me deparei com ele na MUBI. A Felicidade das Coisas é um dos filmes da produtora mineira Filmes de Plástico, que se tornou bastante conhecida nos últimos anos ao criar para si um grande desafio: fazer filmes interessantes baseados em personagens comuns e suas aventuras cotidianas. Confesso que fiquei tentado em escrever "pequenas aventuras cotidianas" no trecho acima, mas quando a coisa funciona, o uso da palavra "pequenas" não da conta das camadas que uma trama do gênero pode apresentar.Aqui a história se passa no litoral norte de São Paulo, local em que Paula (Patricia Saravy) resolve passar alguns dias com a mãe (Magali Biff) e os filhos (Messias Góis e Lavinia Castelari). Já que a matriarca está animada com a casa de praia que comprou, ela resolve construir uma piscina. O ponto de partida é bastante simples, mas revela bastante sobre a realidade da personagem. Não deixa de ser curioso que mesmo com a praia próxima e um rio que atravessa o terreno da propriedade, Paula torna a piscina um verdadeiro objetivo de vida à revelia de todos os problemas que começam a acontecer. Grávida e com o marido distante (está sempre trabalhando, nunca consegue aparecer e sequer a voz dele é apresentada ao telefone), ela encontra dificuldades para bancar financeiramente a obra e os conflitos começam a aparecer, seja com o esposo, com os pedreiros, com o filho mais velho... tentando apaziguar a situação está a mãe da protagonista com o maior jeito de que viveu o suficiente para perceber quando algo não vale o esforço, ou, pelo menos, não precisa que se esquente muito a cabeça. Enquanto Paula é pura preocupação e estresse (especialmente com os vizinhos que insistem em entrar em seu quintal para pescar ou meninos da vizinhança que entram ali para tomar banho de rio), seus filhos tentam se divertir e a mãe tenta aproveitar a temporada para conhecer a comunidade local (o que também deixa Paula ainda mais tensa, já que ela não vê com bons olhos a mãe dando "trela" para desconhecidos). Existe no trabalho de Thais Fujinaga um olhar bastante pessoal e carinho no olhar sobre os personagens, o que colabora na construção de um retrato interessante da classe média brasileira - aquele grupo de pessoas que conseguiram acumular algumas propriedades e de vez em quando se dá conta que o dinheiro ainda é pouco para alcançar um estilo de vida da classe superio, não por acaso, existe um clube nas redondezas cujos hóspedes não se misturam com os demais personagens e isso fica bem claro com os seguranças que impedem "penetras" e o muro que divide os grupos por lá. O título faz uma clara referência na busca pela felicidade em nossa relação com bens materiais e Fujinaga é esperta o suficiente para demonstrar que ela pode estar numa improvisação (com água "emprestada" do vizinho), num banho de chuva ou em uma aventura que pode ter consequências sérias. A cineasta extrai atuações bastante espontâneas de todo o elenco, com atenção especial para as crianças. Se a relação entre mãe e filho não chega a se desenvolver como esperamos, pelo menos consegue estabelecer uma tensão que se torna fundamental para o desfecho. Filmes realistas sobre temas cotidianos podem desagradar muita gente que consideram que não acontece muita coisa durante a projeção, mas A Felicidade das Coisas consegue demonstrar que, embora aparentemente não esteja acontecendo nada muito impactante diante da câmera, o interior de sua protagonista vive um terremoto constante.
A Felicidade das Coisas (Brasil/2022) de Thais Fujinaga com Patrícia Saravy, Magali Biff, Messias Góis e Lavinia Castelari. ☻☻☻☻
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