terça-feira, 5 de setembro de 2023

CICLO VERDE E AMARELO: Medusa

 
A gangue mascarada: fé no ódio. 

Nas ruas de da cidade um grupo de mulheres mascaradas perseguem outras. O que poderia ser visto como um assalto ou uma rixa pessoal logo ganha contornos reveladores quando as vítimas são chamadas de "messalina" ao final do linchamento. O tal grupo registra em vídeo a agredida prometendo que deixará de ser mundana, que será recatada e seguirá o senhor. Medusa da diretora Anita Rocha da Silveira é isso mesmo, uma alegoria sobre o fanatismo religioso que causa uma cegueira capaz de guiar um comportamento agressivo para ditar como os outros devem viver. Ninguém imagina que a tal gangue mascarada, que vaga pelas noites atrás de seus alvos, é na verdade um grupo de devotas cristãs que se apresentam na igreja entonando hinos de devoção a Deus e amor a Jesus sob o nome de  As Preciosas. Onde o próximo fica nisso tudo é outra história. É interessante que o filme que possui este ponto de partida receba o nome de um dos seres mais famosos da mitologia grega. Medusa era uma bela mulher que é punida por uma esposa traída ao descobrir que seu marido se envolveu com ela. Transformada em um monstro, capaz de transformar em pedra qualquer um que olhe para ela, a personagem gera fascínio até os dias atuais. Aqui a Medusa pode ser vista como Melissa (Bruna Linzmeyer em participação especial), uma jovem atriz que foi punida por conservadores por viver sua sexualidade sem culpa e acabou desaparecida após ficar deformada. Existe uma certa obsessão da protagonista, Mari (Mari Oliveira), membro da tal gangue, em encontrar o paradeiro de Melissa, mas isso até se perde no monte de ideias apresentadas no roteiro da diretora. Existe muita coisa a ser desenvolvida em Medusa e, por conta disso, algumas delas recebem resoluções insatisfatórias. A própria questão da religiosidade aqui não consegue esbarra sempre na caricatura, com suas personagens histéricas pelo desejo reprimido e os discursos que se repetem exaustivamente para justificar seus atos mais execráveis e, não por acaso, a líder do grupo se chama Michele (Lara Tremouroux) - que nas horas vagas dá dicas de maquiagem cristã às suas seguidoras (enquanto disfarça os hematomas com bases variadas ao longo do filme). Essa ideia ideal de feminilidade aparece em vários momentos do filme, incluindo no discurso dos Vigilante de Sião, um grupo de rapazes que fazem par com as mascaradas nas esquisitices extremistas e treinam para sua cruzada em coreografias que são difíceis de serem levadas a sério (em uma cena parece até aquela cena da dancinha dos Kens em Barbie só que em versão fascista). Muito da trama gira em torno da crise de identidade vivida por Mari quando a perseguição à uma das vítimas mundanas não sai como o esperado. Sua vida acaba sofrendo mudanças e ela começa a ceder aos impulsos de seu corpo. Mari Oliveira realiza um bom trabalho em cena, revelando as várias camadas da personagem, mas o roteiro atira para tantos lados que seu arco acaba perdendo força chegando a um ponto em que o texto tenta resolver tudo aos gritos (literalmente). Longo demais (mais de duas horas), o filme funciona melhor quando flerta com o terror e o suspense, momento em que a fotografia e a trilha sonora caprichada conseguem criar um atmosfera bastante envolvente, mas quando deixa se levar pelo pastiche o filme perde fôlego e cai na repetição. No fim das contas com o romance de Mari com um colega de trabalho (Felipe Frazão)  fica no meio do caminho, a busca por Melissa perde a importância, a forma como como a protagonista lida com o desejo é reduzida, a violência contra a mulher fica de escanteio e o filme vai se perdendo gradativamente nas pontas soltas. Acho que a cena perfeita para terminar o filme seria aquela apresentação hilariante e um tanto assustadora em que as meninas desabam no palco numa exemplificação da farsa desconstruída de suas vidas banhadas em discurso de ódio amparado por corações de pedra e cabeças de vento. 

Medusa (Brasil - 2021) de Anita Rocha da Silveira com Mari Oliveira, Laura Tremeroux, Joana Medeiros, Felipe Frazão, Thiago Fragoso, Bruna Linzmeyer, Carol Romano, João Oliveira e Isadora Ruppert. 

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