Castro: à sombra do vampiro Pinochet. |
Pablo Larraín adora contar histórias sobre personagens reais. Foi assim quando caiu no radar do Oscar pela primeira vez com No (2012), que rendeu ao Chile uma indicação ao Oscar de Filme Estrangeiro. Depois ele também contou os piores dias da vida de Jackeline Kennedy em Jackie (2016), rendendo uma indicação Oscar para Natalie Portman. Fez o mesmo com Lady Di em Spencer (2021) gerando o que muitos achavam impensável: indicar Kristen Stewart ao Oscar. Entre os dois, ele fez Neruda (2016) sobre a perseguição ao poeta de seu país. Agora chegou a vez de Larraín contar a história de Claude Pinochet (não é Augusto, é Claude mesmo), um vampiro de pais desconhecidos que fugiu da Europa para a América Latina. Seguiu carreira no exército e instaurou um golpe militar no Chile em 1973. Pinochet ficou no poder de 1973 até 1990, marcando a história de seu país com violenta repressão contra quem considerasse inimigo. Quando chegou ao poder ele já era casado com Lucía Hiriart Rodriguez, com quem teve cinco filhos. As perseguições e torturas renderam mais de três mil mortes no país, uma situação tão grave que o fez ser foi condenado pela Comissão dos Direitos Humanos da Organizção das Nações Unidas. Após o término de seu regime ditatorial, sofreu mais de trezentas ações criminais envolvendo corrupção e assassinato. Quando simulou sua morte em 2006 no Hospital Militar em Santiago no Chile, ele se ressentia das pessoas não gostarem dele. Enfim. Esta é só uma parte dos 50 anos de um vampiro que viveu disfarçado entre os meros mortais - se alimentando do coração de algumas pessoas que cruzaram o seu caminho (o que explica muito do seu instinto sanguinário). Pelo menos, essa é a ideia que Pablo Larraín apresenta em O Conde, uma comédia de humor sinistro sobre uma das figuras mais nefastas da história da humanidade. Aqui, Pinochet é vivido por Jaime Vadell (que protagoniza meu filme favorito de Larraín, O Clube/2015), que está estranhamente convincente como um vampiro cansado da vida eterna. A esposa (Gloria Münchmeyer) agora o trai com o homem que era de sua confiança, o também sanguinário Fyodor (Alfredo Castro outro ator favorito da filmografia do cineasta), que também foi transformado em vampiro em agradecimento. Nada mais justo. Os cinco filhos só desejam que o pai morra para que herdem a fortuna que ele acumulou ao longo do tempo e, de certa forma, esperam que isso aconteça com a chegada da freira Carmencita (Paula Luchsinger) que pretende eliminar todo o mal daquele corpo (mas será que restará alguma coisa? Os filhos acreditam que não). No entanto, existe um imprevisto na atração entre o Conde decrépito e sua curadora. Larraín tem um bocado de coragem para se aventurar a fazer troça de uma figura tão sombria da história de seu país. A faz usando referências clássicas do terror, especialmente as vinculadas aos vampiros, ao ponto de criar cenas escabrosas como se estivesse comendo jujubas. A fotografia em preto e branco ajuda a dar um tom clássico e pomposo ao que é uma sátira, além de tornar mais assistível as cabeças decepadas, as estacas em ação, as cenas de carnificina, os corações batidos em liquidificadores e bebidos como vitamina [sic] por boa parte do elenco. Fora o texto é genial, tanto que foi premiado como melhor roteiro no Festival de Veneza que terminou no dia último dia 09. No entanto, a não escolha do filme para disputar uma vaga no Oscar de filme estrangeiro revela que não é um filme para todos os gostos, mas pode ser um deleite para quem capturar as referências históricas que aparecem ao longo da trama - inclusive quando se revela a mãe de Claude Pinochet, a Margaret (Stela Gonet). O Conde já está em cartaz na Netflix e acho que deve ter uma cota considerável de investimento para figurar na temporada de prêmios que se aproxima. Acho que a Netflix começou sua temporada de pérolas do streaming!
O Conde (El Conde / Chile - 2023) de Pablo Larraín com Jaime Vadell, Alfredo Castro, Gloria Münchmeyer, Paula Luchsinger, Catalina Guerra, Amparo Noguera, Antonia Zegers, Stella Gonet, Marcial Tagle, Jaime McManus, Marcelo Alonso, Clemente Rodríguez, Diego Muñoz e Rosario Zamora. ☻☻☻☻
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