Dern como Ruth: desajustada memorável.
Um dos filme mais cotados para esta temporada de prêmios é The Descendants, o novo filme de um dos meus diretores favoritos e que só agora me dei conta de que não escrevi no blog sobre nenhum filme dele! Para compensar esse sacrilégio, preparei uma retrospectiva sobre os filmes deste americano descendente de gregos chamado Alexander Constantina Papadadopoulos, ou para os íntimos Alexander Payne. Depois de realizar alguns curtas e um média metragem, seu primeiro longa foi Ruth em Questão. Lembro quando o filme chegou aos cinemas e todo mundo comentava a atuação de Laura Dern como a cidadã Ruth do título original, uma desajustada que se metia entre as cruzadas pró e anti aborto nos EUA. Não, não se trata de um filme edificante com mensagens tocantes ou lições de moral, Payne deixava claro que seu objetivo não era tomar partido sobre o aborto, mas queria nos instigar a refletir sobre uma o grau de histeria que a situação pode alcançar - e o jogo de interesses que está por trás dessas campanhas. Ruth é uma coitada que vive cheirando qualquer produto químico que aparece em sua frente (esmalte, tinta spray, solventes e derivados), além disso gosta de tomar umas biritas de vez em quando. A ironia do roteiro é que enquanto ela faz tudo isso e prejudica a si mesma ninguém se incomodoa. Esse comportamento já lhe rendeu filhos de pais diferentes - e que vivem com seu irmão, sem que Ruth tenha permissão de vê-los. Parece dramático? Espere até ela ser presa e ser absolvida porque descobrem que ela está grávida e com planos de fazer um aborto. Ruth acabará se tornando involuntariamente o símbolo de uma campanha nacional anti-aborto. O problema é fazê-la aceitar esse papel ("eu não quero ser símbolo de nada" ela vive repetindo), já que só precisa de alguns dias na casa de uma família cristã de militantes para mostrar que está longe de ser uma personagem que se redime dos pecados... é quando a campanha pró-aborto a descobre e a vida (ou a morte) do bebê parece ser disputada num leilão (e Ruth sempre penderá para o lado que lhe pagar mais). Payne atira para todos os lados e não tem medo de expor o ridículo de todos os personagens que disputam Ruth para as suas campanhas, até o político vivido por Burt Reynolds (que é mais ambíguo do que propriamente humanista) não é digno de muita credibilidade. O mais engraçado do filme (e que cai muito bem ao tom de farsa que o diretor imprime na narrativa) é a construção que Laura Dern faz de Ruth. Mais conhecida por suas atuações sombrias em filmes de David Lynch ou pela participação saltitante em Jurassic Park (1993), a atriz faz da personagem um fantoche despudorado, pensando de acordo com a causa que é mais vantajosa para o seu bolso (nada mais americano... e por isso cenas como a que fica hipnotizada pela luz de atrair insetos são tão divertidas). Em sua estreia, Payne já deixava claro que não era um diretor de comédias bobinhas e que não tinha medo de enfiar o dedo em algumas feridas da sociedade americana, o roteiro é um primor e a direção segura o suficiente para fazer rir e pensar ao mesmo tempo. Seu estilo traz muito daquele estilo crítico que se tornou marca das comédias da década de 1970 - e isso ficou ainda mais claro quando transportou as disputas políticas para uma escola em Eleição (1999), nosso próximo assunto nesta retrospectiva.
Ruth em Questão (Citizen Ruth/EUA-1996) de Alexander Payne com Laura Dern, Swoozie Kurtz, Mary Kay Place, Kurtwood Smith, Kelly Preston, Burt Reynolds e Diane Ladd. ☻☻☻☻
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