Ir ver um filme de Lars Von Trier é garantia de se deparar com algum estranhamento durante a sessão. Seja um musical deprimente (Dançando no Escuro/2000), filmes sem cenário (Dogville/2003 e Manderlay/2005) ou terror erótico (Anticristo/2009), mas o estranhamento que senti ao ver Melancolia foi totalmente diferente. Não que as sensações ao ver seus filmes anteriores fossem iguais, mas todos tendiam a uma mesma direção, Melancolia vai na direção oposta de seus irmãos. Talvez por estar ciente de que sua nova criação era tão límpida que Trier criou aquela polêmica toda dizendo ser nazista e que acabou no seu banimento no Festival de Cannes. A brincadeira (de mau gosto) do cineasta apareceu nas entrevistas por conta de sua inspiração no romantismo alemão, especialmente em telas que aparecem quase que reproduzidas em seu brilhante epílogo (ao som da ópera Tristão e Isolda) que nos conta o que acontecerá durante as próximas duas horas de sessão. Sabendo o que acontecerá de antemão, porque continuar assistindo ao filme? Porque Lars Von Trier é um dos grandes contadores de história do cinema atual, o mais legal é que você nem precisa gostar dele, basta ficar sentado diante de seus filmes e deixar-se hipnotizar por seus personagens cheios de contradições defendido por atuações irrepreensíveis. Digira seus filmes por alguns dias e irá entender o que estou dizendo. Kirsten Dunst que o diga, mesmo com toda a polêmica em Cannes, a apreciação de sua atuação como a maníaco depressiva Justine saiu ilesa e acabou levando para casa o prêmio de melhor atriz do Festival. Mas Dunst não está sozinha ela conta com Charlotte Gainsbourg (premiada em Cannes em 2009 por sua corajosa atuação em Anticristo e a única atriz que topou atuar novamente sob a batuta do dinamarquês). Elas ainda contam com seus pares, que dão conta de encarnar personagens totalmente opostos a elas, Kiefer Sutherland que deixa Jack Bauer de lado para ser um ricaço cego pela razão científica e o estreante Alexander Skarsgard (filho do ator favorito de Trier, Stellan que está no filme como o chefe boçal de Justine) que interpreta o romântico noivo de Justine. É curioso como todo o filme é organizado em torno de oposições, portanto, nada mais vontrieriano do que dividir o filme em duas partes distintas. A primeira é dedicada ao casamento de Justine, uma festa organizada pela irmã e o cunhado que é, na verdade, um acordo para que ela seja feliz. Justine sorri, mas o único momento que lhe dá alegria é quando a limusine não consegue fazer as curvas da estrada até a festa - é como se Justine soubesse desde o início que sua festa seria um grande martírio. Seja pela presença do chefe insistente por um slogan publicitário, pela mãe dominadora (a ótima Charlote Rampling, gélida como sempre) que não acredita em toda aquela convenção ou o pai (John Hurt, o narrador de Dogville) que não leva nada a sério. Toda essa combinação pode justificar a tristeza de Justine no dia que poderia ser feliz, mas a ferida de Justine é mais profunda. Talvez por isso ela seja a primeira a ver que existe algo de diferente no céu na noite de seu casamento e que mais tarde descobriremos ser o tal planeta que dá nome ao filme. Trier pode merecer elogios por fazer a festa de casamento mais incômoda da história (e seus humor ácido ajuda muito nisso), acho que por conta desse incômodo que apreciei mais a segunda parte da história dedicada à Claire. Apesar de ser coadjuvante Charlote Gainsbourg tem ótimos momentos como a irmã tão zelosa quanto controladora, que quer o melhor para sua família desde que seja em seus termos. Por isso mesmo enquanto cuida de Justine (que retorna ao lar depois de uma instituição para tratar sua depressão profunda) nega a si mesma que o plante Melancolia irá se chocar com a Terra. O interessante é que Justine não está nem aí para essa colisão, ao contrário, é capaz de contemplar a ameaça banhando-se em sua luz azulada no meio da noite, assim, só para relaxar! A utilização de Justine e Claire como elementos opostos da narrativa faz lembrar, em devidas proporções, as irmãs de Razão e Sensibilidade (1995) em suas diferentes formas de encarar o mundo. Houve uns debochados que disseram que era o blockbuster de Lars Von Trier por tratar do fim do mundo, mas quem conhece o cineasta sabia que o fim do mundo estaria alinhado com os contornos internos de seus personagem (tal e qual o horror serviu para a tortura física e psicológica do casal de Anticristo), ao mesmo tempo os fãs mais provocadores do cineasta disseram Melancolia é uma alegoria sobre o fracasso do casamento tendo-o visto como o início do fim da vida dos personagens. Eu prefiro ver tudo de uma forma mais ampla, Melancolia é um filme sobre um apocalipse que pode ser a redenção num mundo que tenta se equilibrar entre sentimentos opostos e, por isso mesmo, complementares. É da inabilidade de lidar com esses paradoxos que brota a tristeza tão bem encarnada por Kirsten Dunst, que consegue ser a alma feminina do filme mais singelo de Trier, o resto é puro marketing.
Alexander e Kirsten: a última chance de ser feliz ou o início do fim?
Melancolia (Melancholia - Dinamarca/Suécia/França/Alemanha-2011) de Lars Von Trier com Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Alexander Sakarsgard, Kiefer Sutherland, Charlotte Rampling, John Hurt, Cameron Spurr, Udo Kier e Brady Corbet. ☻☻☻☻
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