Ana Lúcia Torre com Selton Mello no colo: naturalmente absurdo.
André Klotzel é um diretor que está na ativa desde a década de 1980 e me impressiona como seu cinema sempre soa original e moderno. Desde o premiado Marvada Carne (um Filmed+ que ando devendo comentários) de 1985 o cineasta já demonstrava sua queda por inserir fantasia em suas narrativas. Ele retomou essa linha em 2010 quando lançou Reflexões de um Liquidificador. A ideia de dar a capacidade de pensar a um eletrodoméstico já é interessante, mas Klotzel insere este elemento fantástico em uma narrativa policial que beira um episódio de Além da Imaginação! Tudo porque o liquidificador em questão é cúmplice de um crime. Isso não chega a ser um SPOILER, já que desde o início da sessão sabemos que existe algum envolvimento da dona de casa Elvira (Ana Lúcia Torre, ótima) com o desaparecimento de seu esposo Onofre (Germano Haiut) após mais de quarenta anos de casamento. Se a trama policialiesca com toques de cinema noir não foge muito do trivial (apesar das ironias como o detetive chamado Fuinha), a grande diferença fica por conta da narrativa do liquidificador com voz de Selton Mello. O eletrodoméstico não sabe explicar como subitamente começou a pensar e perceber o mundo das pessoas que estava ao seu redor, mas acha que tem alguma relação com os inúmeros reparos que sofreu em sua trajetória de liquidificador de lanchonete de vitaminas - especialmente com o acréscimo da lâmina que "parece um escorpião" como diz Dona Elvira. Contando a história de Elvira e seu marido, a roteiro insere personagens que dão tom cômico à trama ao mesmo tempo que insere novos segredos que ajudam a compor o quebra cabeça do desaparecimento de Sr. Onofre - além de ensaiar sustos no espectador (como o liquidificador que funciona quando lhe apetece). Ana Lúcia, mesmo compenetrada, se diverte bastante ao atuar com um eletrodoméstico e chega a ser inusitada a química que existe entre eles desde a primeira cena em que ela o escuta falar e começa a duvidar de sua própria sanidade, além disso a atriz consegue lidar de forma exemplar com as contradições de uma dona de casa pacata que empalha animais para ganhar uns trocados e torna-se suspeita de assassinato. Além do bom elenco e do roteiro original (com toques de inspiração em Shirley Valentine/1985, onde a personagem conversava com as paredes), Klotzel consegue construir a atmosfera correta mesmo nos momentos mais cruéis. Repleto de humor negro o filme conta com uma direção de arte que impressiona apostando na obscuridade de uma casa suburbana de paredes encardidas, móveis velhos e animais empalhados no porão. Centrado no absurdo tratado como naturalidade, o filme é uma das comédias mais originais do cinema brasileiro.
Reflexões de um Liquidificador (Brasil/2010) de André Klotzel com Ana Lúcia Torre, Selton Mello, Germano Haiut, Gorete Milagres, Fabíula Nascimento e Aramis Trindade. ☻☻☻☻
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