O elenco: boas atuações em fraca adaptação.
Talvez por viver entre o cinema brasileiro e o internacional o diretor Walter Salles sinta-se tão atraído pelos chamados road movies. Acho que ele se identifica com essa sensação de ir e vir, essa inquietação de buscar algo que quer dizer mais sobre você do que os lugares por onde passa. Não sei se essa é a intenção real desse tipo de filme, mas é sempre a impressão que tenho quando assisto filmes do gênero. Salles tem dois de seus filmes mais célebres ambientados em aventuras em estradas: Central do Brasil (1998) que colocou seu nome no circuito internacional cinematográfico e Diários de Motocicleta (2004) que conseguiu dar uma leitura reveladora sobre o jovem Che Guevara. No entanto, tudo que esses dois filmes possuem de interessante e emocionais foi deixado de lado quando Walter teve a coragem de aceitar a proposta de levar para as telonas o clássico On The Road (no Brasil conhecido como Pé na Estrada) de Jack Kerouac. Publicado em 1957, quando o sonho americano dava sinais de desgaste e o american way of life estava prestes a se deparar com o nascimento da cultura hippie e outros movimentos de contracultura, a obra se tornou uma espécie de bíblia da cultura beat. Sua narrativa em formato de jorro mental conquistou tantos fãs (que percebiam tudo que a obra tinha de inovadora) como também conseguiu a ira dos mais conservadores (que consideraram o livro imoral pela forma com que retratava o sexo, o homossexualismo e as drogas). Essa relação do período em que se passa a história é primordial para entender do que se trata o livro e seus personagens. Quem leu a obra sabe perfeitamente o que tudo que está ali quer dizer, no entanto, quando o filme transforma a narrativa de Kerouac em imagens a coisa complica. Apesar de todo o cuidado com as locações e enquadramentos, o filme de Salles é brutalmente entediante, sendo que o único ponto em que mantem o interesse do espectador é o elenco que consegue defender seus personagens com bastante eficiência - pena que eles devem lidar com uma sucessão de cenas em que sexo e drogas aparecem a todo instante sem que o roteiro explore o universo que está ao redor do escritor Sal Paradise (Sam Riley) e seu amigo Dean Moriarty (Garrett Hedlund). A relação de cumplicidade entre os dois é bem explicita, mas gira em torno de um eixo frouxo. Na relação de Dean com a esposa (Kirsten Dunst) ou com a jovem namorada Marilou (Kirsten Stewart no papel mais serelepe de sua carreira) o rapaz aparece apenas um garanhão que serve de inspiração para o tímido Sal. As viagens de Dean, Sal e Marilou nunca conseguem arrebatar o público, ficando apenas no nível do voyeurismo paciente do espectador. Com a descontextualização da obra, fica apenas sobra apenas o estranhamento diante do marmanjo que deixa a esposa (Elizabeth Moss) na casa de uma mulher que varre lagartos das árvores (Amy Adams, doidona) e seu esposo alucinado (Viggo Mortensen), o motorista que não gosta de mulher (Steve Buscemi) que instiga o lado mais liberado de Dean - mas que Sal não consegue desbravar por conta própria entre outros tipos curiosos. Com intermináveis 124 minutos de duração, o filme não consegue empolgar numa sucessão de situações isoladas e fragmentais. Embora o elenco se esforce (e Hedlund tem cenas espetaculares em que exibe as emoções que estão por baixo da inconsequência de de Dean) o filme não consegue achar o rumo, exemplo disso é a forma desleixada como lida com a busca pelo pai de seu personagem que nunca se aprofunda. Além disso, a trilha sonora jazzística insistente não consegue ser mais do que irritante. Entendo as mudanças na transposição do livro para a tela, compreendo a tentação de ressaltar como Sal é o alter ego de Kerouac e que ser Dean (pseudonimo para Neal Cassady) era seu sonho de consumo, mas o filme revela quase nada do que fez On The Road uma obra cultuada. Salles deveria ter visto o que Rob Epstein e Jeffrey Friedman fizeram com a adaptação Uivo (2010) de Allen Ginsberg (que aparece em Na Estrada com o nome de Carlo Marx) - filme baseado num livro lançado no mesmo ano e que consegue captar a conexão da obra e seu autor com o período em que foi publicada - evidenciando simbologias e angustias com sentimentos presentes na juventude de qualquer tempo. Já, Na Estrada é um filme que vai do nada ao lugar algum.
Na Estrada (On The Road/EUA-França-Reino Unido-Brasil/2012) de Walter Salles com Garrett Hedlund, Sam Riley, Kristen Stewart, Amy Adams, Tom Sturridge, Elizabeth Moss, Viggo Mortensen, Kirsten Dunst e Alice Braga. ☻
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