Julio e Emilia: entre ser trevo ou bonsái.
"No final Emília morre e Julio não morre". Parece loucura começar um filme protagonizado pelo casal Emília e Julio dessa forma, mas é exatamente assim que se inicia o chileno Bonsái. Pouco depois o roteiro até tenta consertar as coisas, dizendo que no fim "Julio sobrevive e Emília não sobrevive". Sobreviveu a que exatamente? É isso que nos instiga a acompanhar o filme que conta de forma diferente uma história de amor como tantas outras. Quando o filme começa conhecemos o barbudo Julio (Diego Noguera), um jovem escritor que ainda procura o sucesso. A proposta de trabalhar com Gazmuri (Hugo Medina), um escritor cultuado que precisa de ajuda para digitar o manuscrito de sua obra. A obra é sobre um homem que descobre, pelo rádio, que o grande amor de sua juventude faleceu. No fim das contas o renomado escritor não contrata Julio para digitar sua obra mais pessoal, mas sem querer contar para sua namorada, Julio mente para ela mergulhando nas intenções de Gazmuri. Julio irá até copiar o método de criação de seu parceiro, comprando cadernos idênticos e escrevendo a história primeiramente com caneta e papel - para sentir melhor a vibração "da caneta, da mão e do cotovelo". Aparentemente travado com a farsa, Julio começa a relembrar o grande amor de sua própria juventude, emprestando a sua história aos personagens do livro. A partir desse momento o filme se divide entre o presente e o passado, com uma citação de Proust (com o clássico "Em Busca do Tempo Perdido" marcado no peito de Julio) e a chegada de Emília. Os dois eram estudantes de literatura e engataram um romance onde a literatura aparece todo o tempo. Embora o filme tenha personagens que parecem bastante sérios e até apáticos o roteiro é bastante divertido, parece uma grande ironia que o diretor tenha optado por uma abordagem que tenta sufocar todo humor presente no texto. Uma estratégia arriscada que me pareceu querer reproduzir a atmosfera das obras de Wes Anderson, especialmente de Os Excêntricos Tennenbauns (2001), mas sem a mesma desenvoltura cômica. É interessantíssimo como o filme consegue misturar a realidade com a literatura, tanto na transformação da vida conjugal de Julio e Emilia em livro, como a forma como os livros interferem vida dos personagens. Seja na forma como Julio se expõe a atual namorada sob o pseudônimo de Gazmuri ou quando Julio lembra de quando presenteou Emilia com um par de trevos - o presente singelo é apreciado até o dia em que uma amiga diz que aquilo parece retirado de um livro onde os personagens também recebem o mesmo presente e o encantamento dura até o momento em que descobrem que o trevo é uma planta frágil e eles começam a associar a relação com a planta (e Julio e Emilia, quase que inconscientemente, fazem a mesma coisa, embora tentem mudar o final da história). É curioso como a trama começa a traçar as semelhanças de Julio com a planta que dá título ao filme. Talvez Bonsái não queira parecer uma história de amor porque é na verdade uma história de separação, abordando exatamente a ausência do outro. Talvez, seja a essa ausência que Julio tenha sobrevivido, tal como o bonsái que sem o arame e o vaso permanece vivo - mas o vaso volta a ser apenas um objeto sem vida. O mais interessante é que mais do que um bonsái, Julio descobre ter mais semelhanças com a verdadeira obra de Gazmuri do que gostaria.
Bonsái (Chile/Argentina/Portugal/França-2011) de Cristián Jimenéz com Diego Noguera, Nathalia Galgani, Gabriela Arancibia, Trinidad González, Hugo Medina e Julio Carrasco. ☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário