Timmy e Trish: os melhores diálogos de Solondz.
Todd Solondz pertence a um clube seleto de diretores que não tem muita fé na humanidade. Seus personagens costumam ser bem desagradáveis - e aqueles que são bonzinhos, servem apenas para padecer nas mãos dos outros. Seu estilo ficou bem marcado desde a estreia com o premiado Bem-Vindo à Casa de Bonecas (1995) e se cristalizou dois anos depois com Felicidade, um título irônico para um filme caleidoscópico que gira em torno da família onde o patriarca tem tendências suicidas, a irmã de sucesso não conseguia um relacionamento que prestasse, a primogênita nem imaginava que era casada com um pedófilo e a irmã boazinha sempre se metia nas maiores humilhações quando resolvia desencalhar. Apesar do humor profundamente cruel, o filme tem um número de admiradores tão grande que motivou o diretor a retomar os mesmos personagens em seu quarto filme. O resultado, ganhou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza em 2010 e chegou por aqui direto em DVD. Apesar do elenco diferente, A Vida Durante a Guerra é uma continuação bastante eficiente aos dilemas sobre os desdobramentos acerca do que os personagens enfrentavam no filme anterior - e ainda deixa o final em aberto para, quem sabe, um retorno a esses personagens que ainda tentam encaixar a vida com as peças tortas que encontram pelo caminho. O curioso é que Solondz nunca deixou muito claro porque não convidou os atores do filme anterior para a continuação, mas a resposta é evidente: a imagem das atrizes (com todos os recursos de hoje) não dariam a impressão que já passou quatorze anos do filme original - o que é fundamental para o funcionamento da trama. As histórias giram em torno da família Jordan. Em Felicidade Papai Lenny (Ben Gazarra) descobriu que tem problemas cardíacos, mas já está tão de saco cheio da vida que resolve cumprir as recomendações médicas ao contrário pra ver se morre mais rápido. Sua vida está num ponto tão sem graça que ele não corresponde nem às investidas de uma amiga da família. Pior para a sua esposa, Mona (Louise Lasser) que tem que dar conta das filhas adultas com vidas íntimas complicadas. Enquanto Trish (Cynthia Stevenson) acha que a vida com o esposo e os filhos é perfeita, o marido Bill (Dylan Baker) tenta manter segredo sobre sua vida de pedófilo enrustido espreitando os amiguinhos do filho mais velho. Solteira e famosa, Helen Jordan (Lara Flynn Boyle) parece frígida até o osso e julga-se melhor do que suas irmãs, especialmente a coitada Joy (Jane Adams, excelente) que tem a melhor relação de sua vida com um russo (Jared Harris, excelente) imigrante ilegal, casado e que só pensa em formas de arranjar dinheiro. Não satisfeito em misturar os dramas pessoais da família, o diretor ainda arranja espaço para um tímido pervertido chamado Allen (Phillip Seymour Hoffman) entre os pretendentes das irmãs. Entre cenas tragicômicas (e algumas nojentas), Solondz alfineta a família classe média americana onde o jantar com o avô moribundo vale menos do que a morte de um tamagotchi! Essa busca desengonçada pelo que o título indica fez com que nem todo mundo curtisse o humor do filme, mas, ainda assim, ele entrou na lista de dramas familiares cultuados na década de 1990, ao lado de Beleza Americana (1998) e Tempestade de Gelo (1997), portanto, só do diretor resolver retomar a vida de seus personagens uma década depois já desperta o interesse de muita gente. Para quem viu Felicidade, A Vida Durante a Guerra é mais interessante, especialmente pelas piadas auto-referências com a escalação do elenco. Pra começar, Allen que casou com Joy (agora vivida por Shirley Henderson) agora é interpretado por um negro esguio (Michael Kenneth Williams), bem diferente da lourice rechonchuda de Seymour Hoffman. Já Helen, depois que corta os laços com a família, é vivida pela sumida Ally Sheedy (uma das queridinhas da década de 1980) e a mãe que reclama a ausência do esposo é interpretada por Renée Taylor (a mãe da babá da série The Nanny, cujo esposo nunca aparecia em cena). Se em Felicidade o destaque era em torno de Joy, agora o filme privilegia a vida de Trish (a ótima Allison Janney) que tenta refazer a vida com os dois filhos mais novos (o mais velho está na faculdade), poupando-os da verdade sobre o pai que está preso einvestindo no namoro com Harvey Wiener (Michael Lerner, com sobrenome importado de Bem Vindo à Casa de Bonecas). São de Janney as melhores falas do filme, onde Solondz mostra sua especialidade em contruir cenas onde o espectador não sabe se ri ou chora. Janney tem um bom parceiro em cena, o sardento Dylan Riley Snyder que interpreta Timmy. É seu olhar ingênuo enquanto descobrimos que o pai está vivo (e foi libertado da prisão com a cara do britânico Ciarán Hinds) que nos guia pelas histórias do roteiro, já que Joy recebe menos destaque - ainda que sua peregrinação em reencontros nem sempre amistosos (e uma estranha capacidade de falar com os mortos) rendam alguns momentos marcantes. Apesar de ser uma sequência, A Vida Durante a Guerra consegue ter vida própria e - apesar de ainda explorar algumas neuras americanas superficialmente - aprofunda ainda mais um tema recorrente no filme de 1997: os laços de família são mais fortes do que os problemas que enfrentam pelo caminho? A julgar pelo filme, em alguns casos sim. Os fãs do diretor não vão reclamar (apesar dos seus filmes renderem cada vez menos nas bilheterias).
Harris e Adams: química marcante.
Felicidade (Happiness/EUA-1997) de Todd Solondz com Jane Adams, Phillip Seymour Hoffman, Ben Gazarra, Dylan Baker, Lara Flynn Boyle e Jared Harris. ☻☻☻
A Vida Durante a Guerra (Life During War Time/EUA) de Todd Solondz com Allison Janney, Dylan Riley Snyder, Shirley Henderson, Michael Lerner, Ciarán Hinds, Charlotte Rampling e Ally Sheedy. ☻☻☻☻
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