Matthias: masculinidade e afetividade esmagadas.
Desde as primeiras palavras do drama Bullhead sabemos que não existe esperança de um final feliz, mas, depois que somos apresentados à história de Jacky Vanmarsenille (Matthias Schoenaerts), continuamos torcendo para que ao final exista alguma surpresa que nos cause conforto depois de duas horas perante um homem que prestes a explodir em testosterona. O filme que concorreu ao Oscar de filme estrangeiro em 2012 (representando a Bélgica) consegue ser surpreendente por conseguir contextualizar sua violência de uma forma bastante original. No início o filme até que tenta nos enganar, parecendo indicar que o filme é sobre uma máfia que aplica hormônios proibidos em gado, mas antes que você pense em desistir de assistir, você percebe que na verdade o filme é sobre Jacky. Um rapaz grandalhão que você imagina ser usuário de anabolizantes... é quase isso. Por sua família criar gado, Jacky acaba numa lista de suspeitos de um assassinato, mas na verdade a história do rapaz é outra. Marcado por uma tragédia pessoal enquanto estava às portas da adolescência - o filho de um chefe do crime local resolveu realizar uma das maiores crueldades que se pode fazer a um homem quando Jacky ainda era um menino. Essa crueldade faz com que o personagem construa sua identidade a base de contínuas injeções de testosterona, o que resolve suas pendências físicas, mas as emocionais permanecem comprometidas. O olhar melancólico, o corpo parrudo e o jeito calado faz com que o personagem intimide os demais - ainda mais que consideram o seu temperamento parecido com de um touro. Quando o filme se concentra na forma com que o protagonista tenta se ajustar ao mundo, o longa se torna cada vez mais interessante. Das relações fragilizadas em família, passando pelo elo culposo que o une a um amigo que testemunhou o dia que mudou sua vida, Jacky experimenta tentativas vãs de colocar a vida nos eixos. Vãs porque debaixo de sua aparente calmaria, o personagem oferece explosões que acabam comprometendo suas investidas em conseguir ser o sujeito "normal" que sempre desejou. Enquanto o personagem busca compreensão num universo que mantem a violência sempre à espreita, a salvação e a tragédia maior do personagem convergem para a mesma personagem: Lucia (Jeanne Dandoy), seu amor de infância, irmã de seu algoz e fonte das maiores frustrações do protagonista. Costurar tantos elementos em torno de um personagem complexo não é tarefa fácil, mas o diretor Mikael R. Roskam consegue realizar a tarefa com sucesso. Fotografia, trilha sonora e edição conseguem estabelecer uma tensão crescente que culmina no final angustiante onde pedimos a redenção do menino preso no corpo de gigante. Neste ponto, vale elogiar a atuação de Matthias Schoenaerts, que consegue construir um personagem cheio nuances no difícil equilíbrio entre a violência e inocência. Essa sensibilidade na construção de personagens o tornaram o artista europeu do momento - o que só ganhou mais força com a atuação no recente Ferrugem e Osso (2012) de Jacques Audiard.
Bullhead (Rundskop/Bélgica-2011) de Mikael R. Roskam com Matthias Shoenaerts, Robin Valvekens, Jeroen Perceval, David Murgia e Jeanne Dandoy. ☻☻☻☻
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