sexta-feira, 20 de novembro de 2020

#FDS Consciência Negra: O Destacamento Blood

 
Lindo e seus amigos: reparação histórica?

Parece que no próximo ano veremos finalmente Delroy Lindo entre os indicados ao Oscar. Sua performance neste Destacamento Blood de Spike Lee é uma das mais comentadas do ano e me arrisco a dizer que é o seu trabalho que dá liga ao fluxo criativo que o que o diretor emprega aqui. Lee nunca foi muito de seguir padrões na condução de sua narrativa, mas aqui ele capricha em suas invencionices. A narrativa vai e volta, usa clássicos da música negra americana misturada com tons melodramáticos na trilha sonora, coloca um personagem em vários monólogos diante da câmera, cria cenas vertiginosas de ação, insere dilemas morais, imagens de arquivos, recortes de vídeos antigos e o resultado seria bem diferente sem a liberdade criativa que a Netflix permite às suas produções. O filme conta a história de quatro amigos que resolvem voltar ao Vietnã para regatar uma fortuna em barras de ouro que deixaram enterrada por lá. No entanto, voltar ao que antes era um campo de batalha irá trazer de volta alguns fantasmas que ainda estão bastante presentes. O maior deles é Stormin' Norman (Chadwick Boseman), um amigo que morreu em combate e que ainda está muito presente na mente dos quatro amigos, especialmente na memória de Paul (Delroy Lindo) que seguiu a vida entre trancos e barrancos. Norman teve grande importância para seus amigos, já que ajudou a fazê-los pensar em questões que nunca haviam se arriscado a explorar sobre a condição dos negros na sociedade em que viviam na Terra do Tio Sam. De certa forma, Norman é a voz de Spike Lee lembrando a pouca lembrança que a cultura formada em torno da Guerra do Vietnã possui dos negros que foram para a batalha. Em determinado momento o próprio filme destaca que eles correspondiam a mais de 30% dos soldados americanos enviados para a batalha. Naquele tempo a luta pelos direitos civis fervia nos Estados Unidos e a cruzada de Martin Luther King estava prestes a sofrer o seu mais doloroso golpe. Este esquecimento racial aparece também na história de Otis (Clarke Peters), que reencontra um amor deixado no Vietnã e se depara com uma pessoa muito especial que também sofreu preconceitos em seu caminho por conta dos negros presentes no Vietnã. Spike Lee busca fazer um drama de pós-guerra temperado com cenas de ação, com muito tiro, sangue, helicópteros caindo, minas terrestres construindo um cenário que mesmo acontecendo fora do período de guerra parece um verdadeiro campo de batalha. A ideia funciona a maior parte do tempo, embora por vezes o roteiro soe um tanto bagunçado nas várias intenções envolvendo seus diversos personagens. É neste ponto que o trabalho de Delroy ganha ainda mais destaque ao construir na exata medida as perturbações de um homem frente aos seus dilemas. Na pele de Paul ele tem um número considerável de atitudes polêmicas e torna a narrativa tão imprevisível quanto o seu personagem quando mergulha numa espécie de surto. Ao final do filme, Lee se rende à uma despedida melodramática que poderia ter sido cortada em meio à tradicional ponte que Spike Lee faz entre passado e presente. Com sessenta e três anos de vida e vinte de carreira, Lee está cada vez mais em sintonia com os movimentos raciais nos Estados Unidos, basta ver o espaço que dedica ao movimento Black Lives Matter antes dele se tornar conhecido mundialmente enquanto o filme era produzido. 

O Destacamento Blood (Da 5 Bloods / EUA - 2020) de Spike Lee com Delroy Lindo, Chadwick Boseman, Clarke Peters, Norm Lewis, Mélanie Thierry, Paul Walter Hauser e Jean Reno. ☻☻☻

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