Convenhamos que Terrence Malick não é bem um cineasta, mas uma espécie de gênero cinematográfico. Afinal, quando você assiste a um filme dirigido por ele, torna-se um tanto simplista chamá-los de dramas ou romances. São filmes de Terrence Mallick, assim mesmo, como se o nome do diretor fosse mais coerente do que qualquer rótulo de gênero que a sétima arte permite. Por um tempo Malick era uma espécie de lenda, já que após dois filmes aclamados Terra de Ninguém/1973 e Cinzas do Paraíso/1978) ele ficou vinte anos sem lançar filme algum. Após Além da Linha Vermelha (1998) e sobretudo Árvore da Vida (2011) seus lançamentos passaram a ser mais recorrentes, no entanto, quantidade não significa qualidade. Amor Pleno (2013), Cavaleiro de Copas (2015) e De Canção em Canção (2017) são verdadeiros testes de paciência até para o fã mais fervoroso do cineasta. Repletos de narrativas em off, belos enquadramentos e fotografias caprichadas, sua obra parecia cada vez mais hermética, pretensiosa e chata. Parece que a estética utilizada em Árvore da Vida se tornara uma obsessão para o diretor, embora nem sempre funcionasse dentro dos temas que seus três últimos filmes abordaram. Quando Uma Vida Oculta foi anunciado como a história da vida do austríaco Franz Jägerstätter a expectativa logo surgiu, afinal, a estética "filosófica" do diretor cairia como uma luva na história do homem que se recusou a se aliar ao nazismo (e foi executado por isso). Se o que se vê na tela não chega a surpreender, ao menos, a forma como Malick concebe suas narrativas encontra aqui um porto seguro para se desenvolver. As paisagens belíssimas emolduradas por magnífica fotografia funcionam como excelente contraponto ao que se passa fora dali. A ideia da Segunda Guerra Mundial acontecendo numa espécie de mundo paralelo ao pacato vilarejo em que Franz vive com a família se revela cada vez mais assustadora e paira sobre aqueles moradores que passam a vê-lo como um traidor. O filme é contemplativo, longo (quase três horas de duração) e serve para expor alguns pontos de vista contrastantes sobre o que estava acontecendo no mundo longe daquele paraíso. Em determinado momento um personagem pergunta se os homens não conseguem mais enxergar a maldade, para depois concluir que já se acostumaram com ela. A figura dos homens fardados contrastam com a rotina do lugar, assim como as brigas e discussões que começam a aparecer enquanto Franz tenta levar a vida longe da guerra e de ideais que não são os seus. Esse contraponto da natureza bela com o mal à espreita do homem já foi utilizada por Mallick em suas melhores obras e aqui alcança um bom resultado ao retratar a história do fazendeiro que se recusou à jurar lealdade a führer. Pelo modo peculiar com que trata seus personagens, os eficientes August Diehl e Valerie Pachner (na pele de Franz e sua esposa) possuem desafio de passar a maior parte do filme expressando suas angústias sem diálogos, com expressões pesarosas que tornam palpáveis o fardo de sofrer com a hostilidade de quem enxergava que o mundo enlouquece ao seu redor - e alcançam momentos comoventes. Uma Vida Oculta é o melhor filme de Malick em muito tempo, especialmente por encontrar eco no cenário político atual.
Uma Vida Oculta (A Hiden Life / EUA - Reino Unido - Alemanha) de Terrence Malick com August Diehl, Valerie Pachner, Maria Simon, Tobias Moretti, Ulrich Matthes e Bruno Ganz. ☻☻☻☻
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