Cage e Modine: louco ou pássaro?
Não sei muito bem o motivo, mas Christopher Nolan resolveu resgatar um ator que andava esquecido em Hollywood, trata-se de Matthew Modine - o que interpreta o oficial de polícia covarde em O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Modine teve lá o seu fã-clube quando protagonizou Nascido para Matar (1987) de Stanley Kubrick ou quando flertou com Michelle Pfeiffer na comédia De Caso com a Máfia (1988) de Johnatan Demme, mas o ator ficou conhecido mesmo foi com sua atuação em Asas da Liberdade de Alan Parker. É engraçado como Parker consegue transformar uma temática pesada e até estranha em uma bela história sobre a amizade. A estranheza na trama fica por conta de Birdy (Modine), um rapaz que após servir no Vietnã acredita ser um pássaro. Na verdade, o filme é contado através de flashbacks guiados pelo amigo de Birdy, Al Columbato (Nicolas Cage, ainda topetudo), na tentativa de desvendar o que se passa na mente do amigo. Al também lutou na guerra do Vietnã e trouxe suas próprias cicatrizes, especialmente no rosto. Amigos desde a adolescência, Al sempre foi um conquistador enquanto Birdy sempre foi mais tímido e reservado, além de ter um fascínio incomum por pássaros. Essa fascinação pelas aves faz até que se vista com penas e se atire de uma altura perigosa, ou até construir asas para sobrevoar um terreno cheio de lixo. Percebendo tudo como um conjunto de aventuras juvenis, Al não pensava que havia algo de errado com o amigo, mas olhando sob uma nova perspectiva, ele percebe que, desde o início, Birdy era um sujeito incomum. Enquanto o filme consegue criar aquele clima nostálgico nas cenas do passado, o presente é visivelmente mais obscuro, já que Birdy encontra-se isolado numa cela na ala psiquiátrica do hospital do exército - que consegue construir a impressão de é uma gaiola numa das cenas mais emblemáticas do filme. Parker transpõe para a tela o livro de William Wharton história com tanto cuidado que nem nos preocupamos muito com os motivos que deixaram o rapaz naquele estado quase catatônico. Especula-se que tenha relação com a mãe repressora ou, até, com a morte da grande paixão de sua vida - que não vale contar aqui para não estragar a surpresa -, mas a graça mesmo é mergulhar na história dos amigos. Alan Parker anda em baixa, mas já foi um dos diretores mais eficientes que Hollywood, aqui ele mostra o motivo. Sua versatilidade aparece não só na diversidade de suas obras (seja no drama Mississipi em Chamas/1988, no musical The Commitments/1991 ou no terror Coração Satânico/1997), mas também na diversidade de climas que consegue imprimir em um único filme sem parecer desengonçado. Asas da Liberdade consegue ser ao mesmo tempo um filme juvenil comovente e um drama com toques de pós-guerra, além disso conta com com cenas arrepiantes ao mergulhar no comportamento de Birdy (que sempre pareceu deslocado perante o som e a fúria ao seu redor). Cenas como da noite de formatura, a sequência que simula um voo e o surto de Birdy em meio a guerra demonstram claramente a sensibilidade que Parker possui ao contar uma história a partir de suas imagens. Modine e Cage foram bastante elogiados por suas performances, conseguindo expressar a amizade entre dois rapazes de personalidades totalmente opostas, mas, considero que Modine ainda leve a melhor. O ator alcança momentos de grande impacto ao imitar os movimentos de pássaros, seja com o corpo desengonçado, os movimentos da cabeça ou o olhar desolado de estar numa gaiola. Asas da Liberdade é um filme tão bem executado que sente até a segurança de brincar com a plateia num final extremamente irônico. Premiado com o GP do Júri em Cannes/1984 o filme ainda foi considerado pelo National Board of Review um dos melhores filmes do ano. Um filme que vale ser visto e lembrado.
Asas da Liberdade (Birdy/EUA-1984) de Alan Parker com Matthew Modine, Nicolas Cage, Bruno Kirby, Karen Young. ☻☻☻☻☻
Vi o filme a pouco, uma segunda vez, é uma linda celebração à amizade entre dois sujeitos muito diferentes.
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