Dunne: molhado, falido, procurado, perdido...
Eu ouvi por tantos anos as pessoas elogiando este filme de Martin Scorsese que minha expectativa deve ter prejudicado minha avaliação dele. Talvez a fórmula do sujeito certinho que passa por uma noite de desventuras já esteja gasta em meu imaginário cinéfilo, ou então, eu não consegui captar muito bem a essência cômica do filme. No entanto, posso dizer que Depois de Horas, apesar de todas as suas bizarrices, é um dos filmes mais lights do diretor. Vale ressaltar que Scorsese não era a primeira escolha para a direção, o roteiro foi oferecido a Tim Burton que recusou a empreitada e Martin fez o trabalho com bastante inspiração. Dois rostos bem populares da década de 1980 estão no filme, são eles Griffin Dunne e Rosanna Arquette (curiosamente ambos dividiram a cena com Madonna quando acreditavam que ela tinha potencial para ser estrela de cinema, Rosana estava em Procura-se Susan Desesperadamente /1985 e Griffin esteve em Quem é Essa Garota/1987). Depois de Horas é um filme sobre a pior noite da vida do certinho Paul Hackett (Dune) que tem um encontro com a doidinha Marcy Franklin (Arquette) e o que era para ser uma aventura sexual se torna numa noite cheia de situações bizarras que só ressaltam o quanto a Lei de Murphy pode ser impiedosa. Pra começar ele perde todo dinheiro que tinha (vinte dólares!) para a noite e, a aparentemente doce Marcy, nunca consegue explicar muito bem como ela vive num apartamento registrado no nome de um homem com Kiki Bridges (Linda Fiorentino), uma artista plástica punk (que faz esculturas com argila, jornal e notas de vinte dólares!). Se o encontro parece caminhar cada vez mais para a bizarrice as coisas pioram quando ele tenta voltar para a casa e descobre que está preso naquele pesadelo - que piora ainda mais quando um acontecimento trágico cruza o caminho de Marcy. Entre suspeitas de roubo, casais homossexuais, sadomasoquistas, uma garçonete paranóica (Teri Garr) e uma intelectualóide (Catherine O'Hara) a noite de Paul fica cada vez mais longa e chuvosa sem que encontre uma saída. O curioso do roteiro de Joseph Minion (que nunca mais fez algo relevante) é a quantidade de camadas que insere na trama conforme um novo personagem cruza o caminho do protagonista. Enquanto alguns personagens possuem relações entre si e outros estão ali só para atrapalhar ainda mais o protagonista, o filme investe cada vez mais em ironias e cenas que parecem sair de uma sessão de tortura psicológica surrealista (como a cena em que em meio a um clube punk resolvem cortar o cabelo de Paul ou quando o personagem fica preso e silenciado numa escultura). Repare como a solidão do protagonista na cidade é ressaltada pelas ruas sempre vazias - e como quem cruza o seu caminho, invariavelmente, representa uma ameaça. Mesmo com uma trama que se equilibra entre o realismo e o absurdo, Scorsese apresenta um estilo pop que só percebo em Os Infiltrados (2006) - e aquela cena em que aparecem os créditos com uma câmera de movimentos precisos é uma clara inovação para a época (uma amostra da vitalidade que Scorsese estava disposto a mostrar para se tornar um dos maiores diretores americanos). Ao final temos a impressão que Scorsese afirma que ter uma vidinha regrada gasta num escritório durante a maior parte do dia pode não ser tão ruim - uma afirmação incomum que lhe rendeu o prêmio de melhor diretor em Cannes.
Depois de Horas (After Hours/EUA-1985) de Martin Scorsese com Griffin Dunne, Rosanna Arquette, Linda Fiorentino, Teri Garr e Catherine O'Hara. ☻☻☻
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