Hopkins e Scarlett: as pedras no caminho para fazer um clássico.
Ano passado Alfred Hitchcock tornou-se personagem de cinema. Esteve na pele de Toby Jones atazanando Tippi Hedren (Sienna Miller) na produção televisiva "A Garota" - sobre os bastidores de Os Pássaros (1963) e também neste filme para a telona estrelado por Anthony Hopkins personificando Hitch enquanto ele tentava dar vida ao arriscado Psicose (1960). Em comum, os dois filmes deixam claro a obsessão do diretor com suas belas estrelas. Hitchcock é baseado no livro de Stephen Rebello sobre os bastidores de Psicose e, segundo o diretor estreante Sacha Gervasi o cineasta era, na maior parte do tempo, um verdadeiro cavalheiro com Jennifer Leigh (Scarlett Johansson) - talvez por ela ser casada com Tony Curtis e ter duas filhas (e mesmo quando ele dá seus xiliques, ela o considera muito mais agradável de lidar do que Orson Welles, com quem trabalhara em A Marca da Maldade/1958). Quem aparece como testemunho das manias do diretor com suas divas é Vera Miles (Jessica Biehl), atriz que o deixara na mão antes de filmar Um Corpo Que Cai (1958), mas o assunto é abordado apenas superficialmente com breves comentários no roteiro. Parece que o Hitchcock não conseguia entender como as atrizes poderiam escolher casar e ter filhos a viver o estrelato de seus filmes. O filme sugere que a maior mágoa do diretor é mesmo com Grace Kelly, que depois de trabalhar em três filmes com ele, largou o estrelato para casar-se com o príncipe de Mônaco. O filme de Gervasi se concentra mais é na relação de Alfred com a esposa, Alma (Helen Mirren, indicada ao Globo de Ouro pelo papel), principalmente na forma como ela o ajudava a dar forma aos filmes dele. É interessante como Alma é mostrada como figura fundamental para dar vida ao filme Psicose. O projeto era considerado muito arriscado pelo estúdio, ao ponto de Hitch produzí-lo com dinheiro do próprio bolso (hipotecando a casa) num esquema independente, deixando para o estúdio apenas a distribuição do longa - se considerasse que seria rentável. Os problemas com o filme já começam por conta da obra de Robert Bloch ter sido considerada apenas um livro de terror qualquer, uma trama bastante abaixo das habilidades do diretor. Hitch enxergava em Psicose uma forma de expressar seu olhar sobre a mente de um psicótico e ainda brincar com algumas convenções do cinema (como matar a protagonista no meio do filme). Ciente de que a surpresa final era fundamental para que funcionasse a história, Alfred pediu para que comprassem todos os exemplares do livro antes que os leitores pudessem desvendar o mistério do Hotel Bates. Essa visão dos bastidores fascina qualquer cinéfilo, mas o diretor coloca coisa demais em sua história sem ter habilidade para lidar com todas elas. É até interessante explorar a crise na relação de Alfred e Alma, ao ponto dele suspeitar que ela tem um caso com um escritor (Danny Huston) e prejudicar a realização do filme (um dos momentos mais aguardados é a cena do chuveiro como um retrato desta crise no relacionamento). Alma costumava ajudar o diretor na produção, no roteiro, na edição, mas a irritação perante à vida na sombra das obsessões do esposo, a aborreciam o suficiente para que a parceria sofresse uma fissura. Sem saber muito bem a direção que deve tomar, Gervasi deixa o seu elenco a vontade para explorar os seus personagens. Hopkins, apesar da maquiagem, consegue injetar bastante humor em meio a estranheza do personagem. Scarlett consegue construir uma Jennifer Leigh adorável. Helen Mirren consegue dar carne e osso para Alma e até Toni Collette tem uma participação pequena mas marcante como a assessora de longa data de Hitchcock. Quem aparece pouco, mas chama a atenção, é James D'Arcy na pele de um Anthony Perkins que tem muito da postura física de Norman Bates! Apesar das boas tiradas (como o diretor rejeitando a clássica trilha sonora, a elaborada estratégia de marketing para vender o filme ou o pássaro pousando no ombro de Hitch quando ele pré-anuncia seu novo projeto à plateia), Gervasi não consegue conjugar os bons elementos que tem em mãos com a harmonia necessária para transformar o longa num filme à altura de seu biografado. Talvez pelo seu fascínio pelo mestre do suspense, o diretor tenha se acovardado, deixado a sensação de que suas pretensões ficaram pelo meio do caminho.
Hitchcock (EUA/2012) de Sacha Gervasi com Anthony Hopkins, Helen Mirren, Scarlet Johansson, Jessica Biel, Toni Collette, James D'Arcy e Danny Huston. ☻☻☻
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