Tony e Maggie: o lirismo segundo Kar Wai.
Cultuado por diretores independentes moderninhos (como Sofia Coppola), Wong Kar Wai tem vários filmes cultuados no currículo, mas poucos deles tiveram o apelo de Amor à Flor da Pele. O filme foi lançado há treze anos e pode ser considerado a sua obra-prima. Porém, isso não quer dizer que o filme seja uma unanimidade - já que existem aqueles que se apaixonam pelas sutilezas e palavras não ditas do filme, assim como existem aqueles que irão odiar a narrativa lenta impressa pelo diretor para a história de amor entre o Sr. Chow (Tony Leung) e a Srª Chan (Maggie Cheung). Na Hong Kong de 1962 os dois se mudam para o mesmo prédio com seus cônjuges. Os dois não se conhecem, mas diante da confusão, com alguns pertences durante a mudança, acabam trocando algumas palavras. A esposa de Chow não aparece para ajudar, assim como o esposo de Chan que está sempre viajando para o exterior e trazendo produtos das mais variadas nacionalidades para presentear a esposa e vender aos amigos. Não precisa de muito tempo para que possamos perceber que existe uma constante ausência do Sr. Chan e da Srª Chow (e o fato do filme nunca mostrar seus rostos ajuda ainda mais a construir essa impressão). A solidão dos novos vizinhos será perceptível a cada olhar ou momento em que se encontram pelos corredores. Não vai demorar para que descubram que são traídos por suas respectivas almas gêmeas - e é neste ponto que o filme de Kar Wai se torna mais saboroso. Ao invés do escândalo ou da gratuidade de dar o troco, os traídos preferem trocar suas impressões sobre os traidores. Como o romance deve ter começado? O que eles devem fazer a cada encontro? As especulações afastam os encontros do Sr. Chow e da Srª Chan do lugar comum do cinema e a linguagem cinematográfica do diretor incrementa ainda mais o espetáculo. O diretor abusa do uso de slow motion para realçar os movimentos de seu casal protagonista e os envolve com um uma fotografia quase surreal em seus tons vermelhos, algo que não desanima nem nos momentos de chuva num beco escuro. Além disso, capricha na trilha sonora de toques latinos (que torna o universo do filme bastante incomum, afinal nunca vi um filme oriental que flerta com a trilha que cairia bem no filme mais elegante de Almodóvar). Além de toda a sua beleza técnica, o filme ainda conta com as atuações inspiradas de Tony Leung (considerado melhor ator em Cannes pelo filme) e Maggie Cheung. Ambos conseguem preencher cada silêncio de seus personagens com camadas impressionantes. Só a relutância latente que sentem para não se tornarem amantes já vale o filme, afinal, se traírem seus pares serão tão vis quanto eles. O roteiro lança um olhar diferente aos protagonistas que se tornam amantes quase que por acaso: uma afinidade que nasce de uma traição, torna-se cumplicidade e vira a necessidade de ter o outro por perto a todo instante. É neste momento que são traídos por seus sentimentos e torcemos para que não ajam de forma diferente de seus cônjuges adúlteros, ironicamente é nesse ponto que muitas pessoas costumam detestar o filme. Kar Wai não faz filmes americanos (apesar de ter uma atmosfera quase noir nesse daqui e tratar a imagem de Maggie Cheung como de uma diva hollywoodiana) e, portanto, não se preocupa em deixar tudo mastigadinho para que a plateia entenda o que está acontecendo. O passar dos anos, as idas e vindas dos protagonistas podem deixar a coisa meio confusa na reta final, mas tudo o que vimos anteriormente já nos envolveu de uma forma que não conseguimos parar de assistir ao filme. Talvez pelas reclamações ao final deste Amor à Flor da Pele o diretor tenha realizado a continuação 2046 seis anos depois com elenco e duração anabolizados. Seja como for, Amor... é quase um sonho romântico perdido.
Amor à Flor da Pele (Fa yeung nin wa/Hong Kong-França-2000) de Wong Kar Wai com Tony Leung, Maggie Cheung e Rebecca Pan. ☻☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário