Padilha: muito mais do que uma dondoca televisiva.
Nascido em Jundiaí em 1964, o paulista Beto Brant chamou a atenção com seu curta-metragem experimental Jó (1993). O curta fez sucesso em festivais internacionais onde deixou claro que era um diretor criativo e com atenção especial para a construção das cenas. Sua estreia como diretor em longa-metragem aconteceu em 1997 com este celebrado Os Matadores. Lembro até hoje quando o filme foi exibido no Festival de Cannes e a imprensa mundial ficou bastante instigada com a estreia de Brant. O Brasil ainda vivia a sua retomada cinematográfica e a maioria das produções investia em adaptações literárias, filmes de época e algumas comédias inofensivas. Brant apareceu nesse cenário com um thriller de ação, repleto de suspense ditado por personagens fortes. Sua trama é simples, mas tão bem conduzida que é impossível não perceber os méritos da produção. A trama gira em torno de Múcio (Chico Diaz, excelente), um matador que vive na fronteira do Brasil com o Paraguai. Antes de ser considerado morto, Múcio realizava trabalhos para os fazendeiros locais. A vida deste lendário matador é contada por seu velho comparsa, Alfredão (Alfredão), a um ambicioso jovem matador que ainda se prepara para o ofício. Ele é Toninho (Murilo Benício), que antes de se tornar um matador precisa lidar com suas inseguranças perante os perigos do ofício. O filme tem ainda outra figura importante para o desenrolar dos fatos, Helena (Maria Padilha), esposa de um figurão local e amante de Múcio nas horas vagas. O roteiro que marcou a estreia da parceria de Brant com Marçal Aquino (autor do livro em que o filme se inspira) se nutre de contar duas histórias ao mesmo tempo, sem que a plateia perceba isso. Existe claramente uma trama ambientada no passado, mas que permite que o espectador pense o que está motivando o encontro dos personagens na história. Uma das ideias mais bem sacadas é não mostrar a violência de forma explícita (com exceção do encontro de Helena e Múcio, que gera uma das cenas tórridas mais interessantes do cinema). Assim, o espectador constrói as cenas em sua própria mente, ampliando ainda mais o universo do filme. As mortes são o que menos importa na trama, o que instiga a plateia são as relações que se desenham aos poucos durante a sessão. Assim, são revelados traços daqueles personagens duros que podem ser mais vulneráveis do que imaginam. Não há dúvidas de que há um serviço a ser feito, mas não sabemos exatamente qual é. Na época os filmes sobre matadores de aluguel não estavam na moda, mas depois de tantos do gênero, Os Matadores ainda não é superado na forma como Brant conduz a trama de forma bastante elegância e pulso firme - isso sem falar nas atuações vigorosas do elenco. Benício ainda estava começando a ser reconhecido pelos seus papéis na televisão (e o filme ressaltou sua versatilidade), Padilha teve um papel bem mais interessante do que as dondocas que costuma viver na televisão (chegando a ser convidada para filmar em Hollywood, o que ela acabou recusando - com especulações até de ser uma bondgirl) e Chico Diaz se consagrou de vez como o lendário matador Múcio. De corte ágil, trilha sonora que amplia a tensão e fotografia realista, o filme é um grande acerto. É justo dizer que o que mantém o filme na memória do espectador é sua arrebatadora cena final, onde mostra-se o que era esperado desde o início, mas de uma forma tão bem construída que parece até surpreendente. Os Matadores é considerado por muitos um clássico do cinema. Atual e sem frescuras, o filme provou que as ideias são mais importantes do que um orçamento inchado quando se tem um filme a ser feito. Esse estilo realista urgente de Brant permaneceu em dois de seus filmes seguintes: Ação Entre Amigos (1998) e O Invasor (2001), que também merecem ser vistos.
Os Matadores (Brasil/1997) de Beto Brant com Chico Diaz, Murilo Benício, Maria Padilha e Wolney Assis. ☻☻☻☻☻
Os Matadores (Brasil/1997) de Beto Brant com Chico Diaz, Murilo Benício, Maria Padilha e Wolney Assis. ☻☻☻☻☻
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